O Portal das Finanças tem um novo assistente virtual como a Siri da Apple ou a Alexa da Amazon. Pôr o programa à prova na entrega do IRS foi uma experiência... interessante.
Não tem um nome pomposo, como “Siri” ou “Alexa”. Mas tenta responder às dúvidas dos contribuintes portugueses com o mesmo empenho e dedicação. O “Apoio online da AT” é a mais recente funcionalidade do Portal das Finanças, uma novidade anunciada pelo Governo em plena campanha de entregas do IRS.
Para conversar com o chatbot do Fisco não é preciso estar autenticado no site. Ainda assim, pode ser útil ter a janela de conversação aberta no computador enquanto se preenche a declaração de rendimentos. O programa recorre a métodos de inteligência artificial para automatizar as respostas às questões mais comuns e até “entende” alguma linguagem natural.
Antes de podermos trocar dois dedos de conversa, somos instados a aceitar o tratamento de dados pessoais por parte da Autoridade Tributária… e não só. Um aviso indica que, “para processamento e arquivo de dados” por parte do sistema, o Fisco “poderá recorrer aos serviços tecnológicos da IBM e Zendesk”, que são duas empresas privadas. Torcemos o nariz.
Depois de pensarmos um bocadinho, lembrámo-nos das notícias recentes da enorme fuga de dados do Facebook. Os nossos dados já estão por todo o lado. Mal por mal, decidimos aceitar e prosseguir. E como uma conversa é sempre uma conversa, para esta nossa simulação, decidimos começar pelo princípio — dissemos “olá”.
🤖 Saudações, humano
Foi uma surpresa agradável ver que o chatbot das Finanças não foi nada carrancudo. Reconheceu a nossa saudação e retorquiu com simpatia: “É um prazer estar aqui a ajudar a responder às suas questões. Quando houver algo em que eu possa ajudar, pergunte aqui.”
Mas a tecnologia tem limites. Ao responder “o prazer é todo meu”, o assistente das Finanças ficou um pouco confuso: “Não tenho a certeza se compreendi a sua questão”, atirou. Se corou, não sabemos. Porém, foi rápido a recentrar a questão: “Quer saber sobre informação geral relativa aos prazos de IRS?”, perguntou.
Querer é uma palavra muito forte, mas diz a sabedoria popular que o que tem de ser tem muita força. E o IRS enquadra-se bem nessa ideia. Adiante. Depois da primeira troca de galhardetes, fomos então diretos à questão: “Estou abrangido pelo IRS automático?”
A “Siri” das Finanças pensou um bocadinho e lá respondeu: “A Autoridade Tributária (AT), com base nos elementos que lhe são comunicados (…) disponibiliza, para contribuintes que reúnam determinadas condições, uma declaração provisória / automática.” “O que pretende saber sobre o IRS automático?”, questionou.
É um prazer estar aqui a ajudar a responder às suas questões.
Não pudemos deixar de notar que já tínhamos feito a pergunta. Apareceu um menu com várias opções e escolhemos novamente: “Estou abrangido pelo IRS automático?” Para chegar à resposta, o assistente colocou algumas questões de volta:
– Foi residente fiscal em Portugal durante todo o ano?
– Sim.
– Detém o estatuto de residente não habitual?
– Não.
– Obtém rendimentos apenas em Portugal?
– Não.
– Não está abrangido pelo IRS automático pelo que deverá preencher a sua declaração de IRS no Portal das Finanças.
☝️ Ó “fachavor”, quero falar com o gerente
Conscientes de que teríamos, então, de preencher tudo praticamente “à mão”, lá nos dirigimos à área do Portal das Finanças destinada à entrega da declaração. Talvez fosse demorar. Pelo sim pelo não, optámos por perguntar: “Até quando tenho de entregar o IRS?” O programa respondeu “O prazo para entregar a declaração de IRS ou confirmar o IRS automático decorre entre 1 de abril e 30 de junho.”
Procrastinar não é boa ideia: lembrámo-nos de que, quase todos os anos, no último dia da campanha, o Portal das Finanças fica indisponível. Muita gente deixa esta obrigação fiscal para a última hora e acaba por sobrecarregar o sistema. Avançámos. Na área do IRS, optámos por uma declaração pré-preenchida, para atalhar caminho.
Confirmámos os dados pessoais na folha de rosto e encontrámos a área dedicada à consignação de parte dos impostos a instituições de solidariedade social. Pedimos ajuda ao programa das Finanças para nos dizer quais as possibilidades ao nosso dispor: “A que entidades posso consignar o IRS?”
O programa respondeu rápido, mas com uma informação genérica sobre a consignação do IRS e do IVA. Do menu de opções, escolhemos “Onde consulto as entidades que podem beneficiar da consignação do IRS/IVA?” Outra resposta genérica: “As entidades que podem beneficiar da consignação do IRS/IVA podem ser consultadas no Portal das Finanças.” É óbvio que sim, pensámos. Mas tinha uma ligação a remeter para a lista. Feitas as contas, até poupou algum tempo na pesquisa.
Contudo, foi logo ao preencher o Anexo A que surgiu a primeira dúvida concreta: “Posso deduzir ao IRS as quotas da ordem?” Perguntámos à “Siri” das Finanças. Pensou, pensou… e não respondeu nada. Voltámos a perguntar. Novamente, nada. Talvez não tivesse percebido, pensámos nós, e colocámos a questão de outra maneira: “As quotas da ordem profissional podem ser deduzidas no IRS?” Silêncio outra vez.
Estávamos num impasse. Mas eis que surgiu outra ideia: alargar a abrangência da questão. “O que posso deduzir ao IRS?” Fez-se luz. O programa, num segundo, respondeu-nos com uma lista de ligações úteis onde talvez pudéssemos encontrar a resposta à nossa dúvida. No entanto, sabendo que tal poderia levar algum tempo, sugeriu uma alternativa: “Se desejar, posso verificar se algum profissional da AT está disponível para o atender via chat.”
A proposta era tentadora, mas não. Por sorte, lá vimos a tabela do modelo 3 onde é possível deduzir as quotas da ordem. Continuámos a preencher.
Se desejar, posso verificar se algum profissional da AT está disponível para o atender via chat.
🤐 De bitcoins não fala
O ano da pandemia ficou marcado pela chegada de muitos investidores aos mercados de capitais, o que culminou já em 2021 com a euforia em torno das ações da GameStop. Ainda não é altura para declarar estas vendas — só em 2022. Nesta nossa declaração fictícia, entram, sim, as vendas de valores mobiliários feitas em 2020.
Para tal, invocámos o Anexo J, dos rendimentos obtidos no estrangeiro. Mesmo assim, arriscámos a pergunta: “Em que anexo declaro os dividendos obtidos no estrangeiro?” “Não tenho a certeza se compreendi a sua questão”, respondeu o software. Pronto, não faz mal.
Fica a faltar declarar os IBAN das contas bancárias detidas no estrangeiro, incluindo as dos bancos digitais. Já cientes de que o programa não nos iria responder a uma dúvida tão específica, decidimos, ainda assim pôr o assistente à prova: “Tenho de declarar a Revolut no IRS?”
A resposta não foi direta: o programa procurou na base de dados das Finanças alguma informação que pudesse corresponder à questão. E lá encontrou um pedaço que até ajudou alguma coisa: “Para além dos anexos respeitantes aos rendimentos obtidos em Portugal, deve incluir o Anexo J (…) para declarar os rendimentos obtidos no estrangeiro.” É nesse mesmo.
Foi num artigo do ECO que vimos que a Revolut não tem de ser declarada no IRS. Mas o OpenBank sim. Lá indicámos o IBAN espanhol no quadro específico para esse efeito, e eis que nos lembramos de uma última coisa: então, e as criptomoedas?
Procurámos nos formulários do IRS e nenhuma referência à bitcoin. Seria o assistente capaz de assistir?
Sem rodeios, fomos diretos ao assunto: “Tenho de pagar impostos se vender bitcoin?” Resposta, zero. Nada de nada. Estaria ele a cozinhar alguma coisa? Não sabemos. Uma vez mais, a internet diz-nos que não é preciso (e com razão). Se calhar, o programa não se quis comprometer.
Por fim, carregamos em “Submeter”. A declaração foi entregue. Para terminar, o devido agradecimento: “Obrigado pela ajuda”, dissemos ao assistente das Finanças. O programa reconheceu a frase e respondeu: “Esperamos ter ajudado, mas vamos continuar a tentar melhorar o nosso serviço. A AT deseja-lhe uma boa tarde.” Uma boa tarde para si também. Por favor, seja rápido a processar os reembolsos.
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Entregámos o IRS com a ajuda da “Siri” das Finanças
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