As empresas vão aumentar o investimento nas três vertentes de sustentabilidade e, em Portugal, o setor da advocacia também está focado em investir em mais políticas de ESG nos próximos anos.
Cerca de 90% das empresas vão aumentar o investimento nas três vertentes da sustentabilidade – ambiente, social e governança (ESG) – ao longo do próximo triénio. Esta é uma das conclusões de um estudo da KPMG que revela ainda que os montantes serão investidos sobretudo na contratação de recursos humanos focados nestas matérias (43%), na formação ESG dos profissionais já empregados pelas empresas (38%), e em programas informáticos que suportam políticas ESG (40%).
Em Portugal, o setor da advocacia também está focado em investir em mais políticas de ESG nos próximos anos e há diversas políticas no horizonte. Mas os desafios são variados.
“A Antas da Cunha Ecija assume um compromisso firme com os fatores ESG, incorporando práticas e políticas que refletem, não apenas a consciência ambiental, social e de governança, mas também a determinação em contribuir positivamente para um mundo mais sustentável e ética”, revelou a sócia Jane Kirkby.
Assim, nos próximos anos a firma continuará a investir em sustentabilidade, tendo já algumas medidas definidas, como a nomeação de um chief sustainability officer, que será responsável por liderar e implementar estratégias que integrem considerações ambientais, sociais e de governança nos objetivos e atividades do escritório; a transição de toda a iluminação para lâmpadas LED; um maior investimento em tecnologias de desmaterialização de processos; a seleção de fornecedores com práticas sustentáveis; e o reforço de medidas de combate ao burnout e de promoção do work-life balance.
Também a estratégia da Vieira de Almeida (Vda) passa pelo reforço continuado do investimento em medidas de sustentabilidade. Na prossecução deste objetivo a firma colabora com a Fundação Vasco Vieira de Almeida e a VdA Academia, num modelo integrado, dinamizado por um corporate sustainability officer.
“No que toca ao ambiente, o próximo objetivo é alargar aos demais escritórios da firma as práticas que já implementámos nas instalações em Lisboa: otimizar a eficiência na utilização de recursos, com 100% da energia proveniente de fonte certificada renovável; aumentar as áreas verdes; implementar programas de recolha e valorização de resíduos; e estabelecer parcerias externas que permitam fazer o offset das nossas emissões”, explicou o senior partner João Vieira de Almeida.
Já no que toca à área social, pretendem continuar a investir no reforço das iniciativas em curso, desde um “plano inovador, personalizado e muito abrangente de formação da VdA Academia”, ao programa de We4wellness, através do qual procuram contribuir para a melhoria da saúde, bem-estar e qualidade de vida dos colaboradores.
“Por outro lado, através do nosso programa pro bono prestamos serviços jurídicos de elevada qualidade a entidades que de outra forma não teriam acesso aos mesmos, com mais de 10.000 horas/ano de trabalho dos nossos advogados”, acrescentou.
Assumindo a sustentabilidade como um valor fundamental, José Mota Soares, managing partner da Andersen, assegurou que no centro das preocupações da firma está a ideia fundamental de que nenhum negócio pode ser bem-sucedido se não criar valor para todos os stakeholders, ao invés de beneficiar apenas os seus sócios.
Entre as medidas implementadas pelo escritório está a promoção da digitalização, a racionalização no consumo energético e a redução da pegada de carbono. Em termos sociais, a firma tem adotado políticas ativas para a promoção de um bom ambiente de trabalho e de conciliação da vida profissional com a pessoal e familiar.
“Em particular, a Andersen tem praticado uma política de equilíbrio e apoio nas situações de parentalidade e doença. Adotou igualmente a política da semana de quatro dias e meio, dando folga aos seus colaboradores à sexta-feira à tarde, o que tem contribuído significativamente para a sua satisfação”, referiu o managing partner.
José Mota Soares sublinhou que a firma tem entre os seus core values a transparência. “Existe na firma um ambiente valorizador da comunicação, partilha de informação e tomada de decisão inclusiva. Dois dos nossos sócios (em seis) são mulheres e não há qualquer gap remuneratório em função do género”, disse.
O líder da Andersen adiantou ainda que está em vigor um Plano de Carreira com critérios bem definidos que visa sistematizar as áreas que influenciam o desenvolvimento dos profissionais.
“Conscientes de que, em pleno século XXI, as preocupações ESG são, não só um conjunto de boas práticas, mas um fator de criação de valor para a firma, queremos caminhar para a implementação de um Plano de Sustentabilidade da Andersen Portugal que sistematize as suas políticas internas em matéria de ESG e meça o impacto social, ecológico e corporativo da sua atividade”, avançou. A médio prazo, revela que o objetivo é publicar um Relatório de Sustentabilidade que respeite as exigências europeias, criando um plano de sustentabilidade.
Na Gómez-Acebo & Pombo (GA_P) lançaram um programa interno focado no ESG com as suas 29 prioridades identificadas pelos diferentes comités internos, que são coordenados pelo de Sustentabilidade, e aprovados pelo Conselho de Administração. “Pretendemos com elas impulsionar o nosso objetivo final de sermos referência neste campo dentro do nosso setor”, assegura Mafalda Barreto, managing partner, e Ana Luísa Guimarães, sócia.
À Advocatus, explicaram que os diferentes comités têm objetivos anuais definidos para melhorar internamente o escritório e também contribuir externamente para a sociedade. Em 2023 a firma lançou a Cátedra de Gómez-Acebo & Pombo de Sustentabilidade e Direito com a Universidade Pontifícia ICADE.
“Há anos que o nosso compromisso com a inclusão de pessoas com deficiência tem sido um elemento diferenciador de integração e inclusão. Este ano demos mais um passo neste aspeto ao fazer parte do grupo pioneiro de empresas que estão a incorporar os primeiros técnicos paralegais com deficiência intelectual”, explicaram.
Em termos de diversidade, a firma lançou o GA_Pproud destinado a reforçar a autoconfiança e a autoimagem dos profissionais através de testemunhos de personalidades de diferentes áreas sobre a sua experiência como membros da comunidade LGBTI.
“Fomos credenciados pela agência de classificação ECOVADIS na sua auditoria ESG. A ECOVADIS analisa todos os nossos impactos em ESG, sendo a fonte mais completa atualmente utilizada pelas grandes multinacionais para credenciar os seus fornecedores de serviços”, disseram as advogadas.
Já a Abreu Advogados reiterou o seu compromisso de transparência e reporte com o lançamento do oitavo Relatório de Sustentabilidade – um relatório bianual que detalha as políticas ambientais, sociais e de governança da firma.
“Temos também como projeto estratégico a dois anos, realizar uma análise interna, de forma a identificarmos e priorizarmos as questões mais significativas para a Abreu. Desta forma, pretendemos alinhar a nossa estratégia de sustentabilidade com os vários processos que temos em prática na nossa sociedade, tornando a nossa atividade mais sustentável, do ponto de vista ambiental, social e de governação”, explicou o sócio Pedro Pais de Almeida.
Paralelamente, o escritório continua a desenvolver o projeto Legal Up, uma iniciativa bienal do programa global de Sustentabilidade em que pretendem promover o debate sobre causas estruturais para o desenvolvimento sustentável. Em 2023-2024, o tema central do projeto é a exclusão digital.
A Abreu celebrou ainda um protocolo com a Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger, que inclui a integração de um estagiário com necessidades especiais na biblioteca do escritório. A firma tem ainda uma parceria com o Café Joyeux.
“Em 2022, fomos pioneiros na adesão à Meta Nacional de Igualdade de Género, que desafia as empresas portuguesas a alcançar 40% de mulheres em cargos de decisão até 2030. De salientar que em 2023, atingimos a meta com 40,51% mulheres em cargos de gestão de topo”, sublinhou o sócio.
“Inspiramos Juntas” é outro dos programas de mentoria que a Abreu integra. O principal objetivo é a integração e acompanhamento de mulheres jovens em início de carreira na área do Direito e, em especial, mulheres que na sua família frequentem pela primeira vez o ensino superior.
Firmas de advogados devem priorizar ESG
Os cinco escritórios consideram que as empresas, independentemente do setor em que se insiram, devem priorizar políticas de ESG em 2024. “As empresas responsáveis não podem deixar de estar cada vez mais conscientes das suas obrigações em termos do impacto ambiental e social, bem como dos riscos relacionados. Num mundo que enfrenta desafios globais como as mudanças climáticas e desigualdades sociais, as empresas não podem continuar a ignorar o papel que desempenham e o impacto que esses fenómenos podem ter nos seus resultados, numa lógica de dupla materialidade”, defendeu João Vieira de Almeida.
O senior partner da VdA acredita que as organizações que incorporam a sustentabilidade nas suas operações estão “mais atentas a riscos e oportunidades”, estando melhor posicionadas para alcançar o sucesso financeiro e a longevidade corporativa.
João Vieira de Almeida apontou ainda que os consumidores, investidores e colaboradores estão cada vez mais atentos aos temas da sustentabilidade e valorizam mais as empresas responsáveis, sendo uma estratégia de Responsible Business um fator de diferenciação competitiva considerável e uma ferramenta geradora de valor no médio e longo prazo.
“Finalmente, e não menos importante, temos a legislação relacionada com a sustentabilidade, que impõe obrigações específicas nessa matéria cujo cumprimento, a prazo, será condição necessária para integrar as cadeias de valor de que as empresas fazem parte”, referiu.
Já para José Mota Soares, a priorização de políticas de ESG prende-se, sobretudo, com o dever cívico. “Acreditamos que uma sociedade de advogados que nos dias de hoje não se preocupa e não mede o impacto da sua atividade em matéria de sustentabilidade, nas suas várias vertentes, é uma sociedade de advogados sem futuro”, disse.
O líder da Andersen apontou ainda que se um escritório quer ajudar os clientes a ultrapassar os desafios na área da sustentabilidade devem ser os primeiros a dar o exemplo.
De razões éticas a profissionais, também Jane Kirkby defende o destaque de políticas de ESG. Em termos éticos, acredita que todas as empresas, e em especialmente os escritórios de advocacia, têm uma responsabilidade para com a sociedade. Já relativamente aos clientes, a sócia da Antas da Cunha Ecija sublinha que estes estão mais atentos às práticas de sustentabilidade e responsabilidade social corporativa das empresas com as quais se relacionam.
“Muitos profissionais, em especial os mais jovens, tendem a valorizar trabalhar em empresas sustentáveis e socialmente responsáveis. As gerações mais novas, particularmente a Geração Z, cresceram num mundo onde as questões ambientais e sociais são frequentemente discutidas e têm um impacto significativo nas suas vidas, pelo que não raras vezes, perante uma proposta de emprego privilegiam empresas comprometidas com os fatores ESG. Acompanhar esta tendência é, assim, essencial para captar os melhores talentos”, notou.
Jane Kirkby sublinhou ainda que as firmas que não estejam alinhadas com os critérios ESG são mais permeáveis a danos reputacionais, “o que na área do direito representa um risco enorme”.
Por fim, Pedro Pais de Almeida aguarda que as políticas de ESG deixem de ser softlaw e passem a ser hardlaw, isto devido à aprovação das várias propostas de diretivas comunitárias apresentadas pela Comissão da UE. “Com a aplicação da diretiva CSRD, as empresas serão obrigadas a apresentar relatórios de sustentabilidade anuais, onde espelham os seus principais impactos a nível ambiental, social e de governança”, explicou.
Desafios são um obstáculo?
Apesar de reconhecerem a importância da sustentabilidade ao nível empresarial, no momento de colocar em prática as políticas vários são os desafios com que se deparam as empresas. “O principal desafio no caminho para a sustentabilidade passa pela mudança de mentalidade da sociedade”, alerta Pedro Pais de Almeida.
Para o sócio da Abreu é ainda necessária uma transição energética mais acelerada, através da eliminação gradual da utilização de combustíveis fósseis que contribuem para o agravamento das alterações climáticas. “A título de exemplo já existem alguns projetos em Portugal, como é o caso do projeto da maior central solar da Europa, desenvolvida pela Iberdrola em Santiago do Cacém, ou o projeto da Copenhagem Infrastructure Partners, de desenvolvimento de um parque de energia renovável offshore na Figueira da Foz”, exemplificou.
Por outro lado, Jane Kirkby considera que um dos principais desafios é a profissionalização desta área dentro das empresas. “No caso das sociedades de advogados este trabalho não pode ser feito pelos advogados no intervalo das suas inúmeras tarefas jurídicas, tendo de ser atribuído a pessoal qualificado e especificamente afeto a esta área. E esta solução, naturalmente que acarreta custos, que nem todas as organizações estão dispostas a assumir”, salientou.
A sócia da Antas da Cunha aponta ainda o problema da falta de padronização, que promove o greenwashing. “Cada vez mais se ouve falar na adoção de práticas ESG, no entanto, não existe um conjunto de padrões ou diretrizes definido que permita comparar ou avaliar o desempenho ESG das organizações. Assim, não raras vezes somos confrontados com alegações um tanto ou quanto empoladas sobre práticas e desempenho ambiental e social”, disse.
A advogada sublinhou também o desafio do retorno financeiro, que não é imediato nem visível, “pelo que a tomada de decisões de investimento em sustentabilidade nem sempre é fácil de explicar junto dos decisores”.
Entre os desafios apontados por João Vieira de Almeida à Advocatus estão os riscos de um modelo regulatório demasiado complexo, burocratizado e gerador de custos, “que pode originar reações negativas por parte das empresas, em particular das PMEs”; e a dificuldade em fomentar a consciência, a boa governança e a integridade empresarial.
“A necessidade de adoção de políticas públicas que promovam o crescimento económico sustentável, facilitando a garantia de acesso a financiamentos e a criação de um ambiente regulatório favorável para impulsionar as soluções ecológicas e sociais desejadas” foi outro desafio apontado.
O senior partner da VdA salientou ainda o esforço requerido para a adequada educação e capacitação cruciais para promover a mudança necessária com iniciativas robustas de upskilling e reskilling para a transição e o desafio colocado pela crescente afirmação de modelos políticos e ideológicos que se opõem ao esforço de mitigação das alterações climáticas.
Por fim, José Mota Soares acredita que o maior desafio é a tomada de consciência de que a adoção de políticas ESG representa uma “vantagem competitiva” cujo investimento “vale a pena apostar”, mesmo para entidades que não estejam ainda sujeitas a deveres de reporte.
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Firmas de advogados priorizam a sustentabilidade. Mas como?
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