No meio da guerra das audiências entre SIC e TVI, fomos olhar para as manhãs na televisão portuguesa. Conheça o tipo de público que assiste a estes programas, e as marcas que se interessam por eles.
Quem vê caras não vê televisões. Ou melhor, não vê os nomes dos canais televisivos. Os dados mostram que a transferência de Cristina Ferreira da TVI para a SIC pôs a estação de Carnaxide na liderança das manhãs, estatuto que, antes, recaía sobre o canal de Queluz de Baixo. Ou seja, com Cristina foi grande parte do público, embora ainda seja prematuro afirmar que a apresentadora venceu a guerra das audiências a Manuel Luís Goucha. Mas no meio disto tudo, há uma pergunta que se impõe: quem vê e quanto valem as manhãs na televisão portuguesa?
Excluindo os portugueses que recuam e avançam na emissão, as manhãs na TV generalista são caracterizadas por um público doméstico. “A diferença entre os programas da manhã e o prime time cifra-se essencialmente no tópico dos profissionais ativos, ou seja, das pessoas que trabalham”, começa por explicar ao ECO Pedro Mendes, diretor do IPAM Lisboa. É um público mais doméstico e aposentado. Quanto à diferença entre as manhãs e as tardes, há apenas um ponto de distinção: as manhãs ainda têm algum público composto por profissionais ativos, que chegam a casa por volta das 12h40, explica o docente.
Dados da GfK/CAEM, a que o ECO teve acesso, mostram que, entre segunda e quinta-feira da última semana, o telespetador típico de um programa da manhã é mulher, adulta, com idade entre os 65 e 74 anos, de classe média-baixa e oriunda do norte do país. “São pessoas domésticas, que habitualmente trabalham em casa e que acompanham os programas da manhã no momento em que estão a fazer as lides de casa, ou a prepararem o almoço”, detalha Pedro Mendes. Mas os dados também mostram que estes programas alcançam outros públicos bem diferentes: chegam a 12,9% de telespetadores de classe alta que veem televisão, ou 14,8% de classe média.
Outra característica é que o período da manhã é muito mais afunilado em termos de público do que o horário nobre à noite. “O prime time é muito mais abrangente do ponto de vista de audiência”, explica ao ECO a secretária-geral da Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN), Manuela Botelho. “Tem uma audiência mais qualificada, com targets bastante comerciais e composta por classes mais elevadas, com targets etários entre os 25 e os 50 anos, de homens e mulheres de uma forma mais equilibrada”, indica. O horário nobre é por isso um grupo alvo “mais alargado” e que “tem outros interesses”, chamando a atenção de marcas dos setores automóvel e da banca, refere a especialista.
No que toca às manhãs, Manuela Botelho parece concordar: o público-alvo dos programas da manhã são “donas de casa, pessoas que trabalham em horários diferenciados e pessoas mais velhas”, ainda que muitas delas tenham grande poder de compra. “São basicamente pessoas que têm responsabilidades nas compras familiares da casa, de alguma maneira, e que não estão empregadas”, reconhece. Excetuando o consumo de televisão não linear, “quem estiver empregado dificilmente consegue estar a ver um programa da manhã”, nota.
Assim, de segunda a sexta-feira, a partir das 10h10, quem ligar a TV lá de casa vai ver, entre os canais generalistas, programas como A Praça da Alegria (na RTP 1, com Jorge Gabriel e Sónia Araújo), O Programa da Cristina (na SIC, com Cristina Ferreira) ou Você na TV! (na TVI, com Manuel Luís Goucha e Maria Cerqueira Gomes). E mesmo sendo um facto que é à noite que mais gente vê televisão — daí este horário ser chamado de prime time, ou horário nobre –, nem por isso os programas da manhã deixam de ter relevância: o início do dia é o segundo período mais importante para os canais e para os anunciantes.
Alguns profissionais ativos chegam a casa no momento em que estes programas da manhã estão a decorrer. O público da tarde é mais um público de inativos, de pessoas que não trabalham e de pessoas aposentadas.
Cristina venceu uma batalha. Ainda lhe falta a guerra
A guerra das audiências veio ganhar mais força com a decisão da SIC de colocar a apresentadora Cristina Ferreira em rota de colisão televisiva com o seu anterior parceiro do pequeno ecrã, Manuel Luís Goucha. Dados da GfK/CAEM, cedidos ao ECO pela Impresa, mostram que o novo programa da manhã da SIC, estreado a 7 de janeiro, conquistou uma audiência média de 534,1 mil pessoas entre segunda e quinta-feira. Assim, entre os portugueses que viram televisão nesta altura do dia, 38% estiveram ligados à SIC, contra 21,3% que viram o programa da TVI (uma métrica conhecida em televisão como share).
Mas Cristina Ferreira está longe de poder cantar vitória. Apesar de ter presenteado a SIC com um share histórico de 40,1% no dia da estreia, e que chegou a subir para 40,9% no segundo dia de programa, a TVI ganhou algum terreno. Na quinta-feira, o último dia em que os dados estiveram disponíveis, o share de Cristina corrigiu para 35,4%, com o programa de Goucha a recuperar para 21,1%. Os dados dizem respeito a telespetadores que viram o programa não só em direto como também em diferido.
Por isso, avisa Pedro Mendes, professor e especialista, só daqui a um mês será possível saber quem venceu o braço de ferro das audiências: “Vamos ter de esperar algum tempo para perceber se isto vai ser uma tendência, para ver se a Cristina por si só vai conseguir ser líder de audiências, ou se ainda é apenas uma questão de curiosidade, de a Cristina foi para a SIC, deixa ver se é melhor ou se é pior…“, afirma o diretor do IPAM Lisboa. “Daqui a um mês já vamos ter dados muito confirmatórios. Ou as pessoas permanecem no programa da Cristina, ou as pessoas viram, não gostaram e regressam ao da TVI”, acrescenta.
Se os programas da manhã lhe parecem todos iguais, há uma razão lógica para isso. Pedro Mendes explica que o panorama televisivo português é “um bocadinho suis generis“. “Se quisermos falar do Brasil, a rede Globo deve dominar com quase 80% de share. Em Portugal, como o share de audiências é tão dividido, os programas acabam por ser muito idênticos. Mesmo as grelhas são quase as mesmas em todos os canais, e os pontos de diferenciação são cada vez mais difíceis [de encontrar]”, justifica.
Isso também justifica, em certa medida, a estratégia da SIC quando foi buscar Cristina Ferreira à concorrente TVI: “A própria SIC tentou inventar e reinventar [os programas da manhã] várias vezes, até que chegou ao ponto em que teve de mudar mesmo de cara. Para conseguir concorrer com a TVI, teve de ir buscar alguém da TVI”.
Em Portugal, como o share de audiências é tão dividido, os programas acabam por ser muito idênticos.
Manhãs que piscam o olho ao grande consumo
Se as manhãs ditam o público-alvo e o público-alvo dita o formato de um programa, tudo junto gera um pacote televisivo que interessa, no fim, às marcas anunciantes. E que marcas apostam num segmento que, como vimos mais acima no artigo, é composto maioritariamente por portuguesas com idade entre 65 e 74 anos? Desde logo, as marcas do grande consumo, mas também os produtos antienvelhecimento. Como o conhecido Calcitrim.
Como explica Pedro Mendes, entre as marcas presentes nos segmentos da manhã estão “o Continente”, por exemplo, e “outras marcas que estão ligadas à venda de produtos de grande consumo”. Além disso, “temos aqui [representadas] marcas mais associadas à componente, por um lado, dos seniores e das pessoas em fase de envelhecimento. Temos o exemplo do Calcitrim e de outros produtos ligados à saúde interior como também exterior, bem como produtos mais ligados à estética”, indica o docente. No fundo, a publicidade nas manhãs diz respeito a “bens de grande consumo” que a sociedade “compra diariamente, mais em quantidade do que comprar pouco por um preço elevado”. Ou seja, como resume Manuela Botelho, da APAN, “são basicamente marcas que se dirigem à população que, normalmente, está em casa durante a manhã”.
Uma das marcas representadas na estreia d’O Programa da Cristina foi a TAP. A companhia aérea portuguesa ofereceu uma viagem a cada figurante do programa. Mas qual o racional por detrás da estratégia? “Nesse caso, tem mais a ver com o segmento sénior. É um segmento que está mais disponível para viajar. Muitas vezes, as pessoas que veem estes programas têm algum dinheiro, estão já numa fase da vida em que têm de encontrar, no fundo, coisas para fazer”, opina Pedro Mendes. O ECO contactou a TAP e questionou a empresa sobre o objetivo desta campanha, mas não obteve resposta.
Fica a faltar falar do efeito de arrastamento que os programas da manhã provocam no respetivo público-alvo. Uma fonte do mercado garantiu ao ECO que a forte audiência destes formatos contagiam os programas seguintes, nomeadamente o Jornal da Tarde da RTP, o Primeiro Jornal da SIC e o Jornal da Uma, da TVI. É um facto a que não fica alheio Pedro Mendes: “Há aqui um contexto de fidelidade em Portugal. Já o profissional ativo, em casa, tem mais a dinâmica de pegar no comando e procurar o programa que já deu durante o dia. Mas a pessoa que está na SIC, acaba por ver o jornal da SIC.”
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Há uma guerra de audiências. Mas quem vê e quanto valem as manhãs na TV portuguesa?
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