Não são só as sociedades que estão preenchidas por advogados, também as empresas possuem departamentos jurídicos composto por estes profissionais. A Advocatus foi conhecer esta realidade.
Isabel Fernandes é diretora dos serviços jurídicos do Grupo Visabeira desde 2006 e assegura a assessoria e consultoria técnica em todas as matérias jurídicas da empresa. Para a advogada, ser head of legal de uma empresa implica “ser ‘parceiro do negócio’ desenvolvido pela estrutura empresarial em que se integra”.
“O principal desafio para a equipa interna do jurídico decorre da diversidade das matérias e complexidade de assuntos com que a mesma é diariamente confrontada pela administração e demais colegas que integram as múltiplas estruturas de negócio”, explicou Isabel Fernandes.
Desta forma, a advogada considera que o “foco no desenvolvimento de aptidões de negócio” em sintonia com os conhecimentos legais é “fundamental para o papel que a equipa jurídica in house” possui na empresa.
Isabel Fernandes presta apoio nos assuntos comerciais e societários da multinacional, na regulação de relações parassociais e de relacionamento entre os órgãos sociais, os acionistas e demais stakeholders, e na negociação de contratos e preparação de documentos societários. “Ainda na área contratual participo ativamente no desenvolvimento de instrumentos contratuais para operações financeiras estruturadas”, acrescenta. Entre as suas funções, a advogada presta ainda assessoria aos acionistas e órgãos de administração e direção e é responsável pelo planeamento, supervisão e controlo das atividades do departamento jurídico.
A Advocatus foi também conhecer a história de Alexandra Reis. A advogada lidera a equipa dos serviços jurídicos da Tabaqueira – afiliada portuguesa da Philip Morris International – e ainda coordena localmente a área e ética & compliance. Convicta da decisão que tomou ao ser in house, Alexandra Reis compara a profissão a um ornitorrinco.
“Às vezes lembro-me do ornitorrinco, quando analiso a minha atividade profissional e o que é exigido de mim enquanto advogada in house e comparo-me com os advogados tradicionais”, começou por contar Alexandra Reis.
Às vezes lembro-me do ornitorrinco, quando analiso a minha atividade profissional e o que é exigido de mim enquanto advogada in house e comparo-me com os advogados tradicionais.
Segundo a profissional, os advogados de empresas não são apenas advogados, assumindo muitas vezes funções de gestão, tendo um “pé no negócio e um pé no direito”.
Para a líder do setor jurídico da Tabaqueira, o grande valor de um advogado in house é o conhecimento “profundo” que adquire do negócio da empresa na qual trabalha, o que lhe permite deter um papel “reativo muito direcionado” e proativo no “desenho das estratégias e planos de ações” da empresa.
“O advogado in house é, assim, um verdadeiro parceiro de negócio, que se senta à mesa quando se discutem decisões estratégicas, as quais é chamado a apreciar, comentar e contextualizar de forma jurídica”, conta a advogada.
Se para Alexandra Reis a oportunidade de “mergulhar e conhecer em profundidade” o negócio da empresa, a possibilidade de aprender com os colegas das diversas áreas e a “pressão” que o negócio e as equipas de gestão colocam nos advogados de empresa é uma vantagem comparativamente aos advogados de sociedades, para Isabel Fernandes vantagens e desvantagens existem em todas as áreas de prática.
Ainda assim, a head of legal da Visabeira defende que os fatores distintivos em relação a um advogado ou consultor jurídico externo são “a partilha de interesses com os demais players do negócio e a ‘visão do negócio’ que um advogado interno é obrigado a ter para alcançar o devido reconhecimento e sucesso da sua função pela respetiva estrutura de gestão”.
Por outro lado, Alexandra Reis exemplifica o “verso da medalha”, como o conforto que potencia o acomodamento, e a dimensão do grupo de trabalho que faz com que percam a “profundidade de análise, contemporaneidade e estudo que uma sociedade de advogados se permite”. “Acresce que às vezes podemos ser vistos por alguns como advogados de segunda, que não fazem ‘trabalho a sério’ e que só servem de ponto de contacto entre a equipa de gestão e o advogado externo”, reforça a líder do setor jurídico da Tabaqueira.
Acresce que às vezes podemos ser vistos por alguns como advogados de segunda, que não fazem ‘trabalho a sério’ e que só servem de ponto de contacto entre a equipa de gestão e o advogado externo.
Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados, assegurou à Advocatus que o Conselho Geral está atento aos problemas específicos de cada modalidade de prática. “Precisamente por esse motivo, deliberou o Conselho Geral restituir o Instituto dos Advogados de Empresa que tinha sido extinto pelo Conselho Geral anterior”, nota.
Alexandra Reis e Isabel Fernandes estão de acordo, a empresa valoriza o departamento jurídico.
“É inegável que para chegar ao atual momento do departamento, o espírito de equipa, a coesão e alguma cumplicidade na definição de soluções e execução prática de procedimentos, tendo em vista responder às constantes necessidades da estrutura de gestão é, sem dúvida, uma das maiores conquistas do departamento e claramente motivo de satisfação pessoal”, refere Isabel Fernandes.
Questionada sobre os diferentes ambientes de trabalho, Alexandra Reis afirma que o contexto é a maior diferença. “Na sociedade, o direito (a lei, a doutrina, o tribunal) prevalece nas discussões e nas conversas. Na empresa, o tópico nunca será (só) jurídico e os advogados apenas veiculam uma perspetiva a ser incorporada nas discussões”, acrescenta.
Empresas versus sociedades
Em várias fases dos negócios, as empresas recorrem aos serviços das sociedades de advogados, apesar de possuírem um departamento jurídico. Tanto a Tabaqueira como o Grupo Visabeira recorrem pontualmente a firmas de advogados para questões específicas e complexas.
Alexandra Reis e Isabel Fernandes garantiram à Advocatus que nunca sentiram que existisse um confronto entre o departamento jurídico interno e as sociedades. “A perspetiva é sempre inter-relacional, de estreita coordenação e acima de tudo cooperação e nunca de confronto”, refere Isabel Fernandes. Para a advogada, a combinação é a “simbiose perfeita para alcançar soluções ajustadas, exequíveis e de valor acrescentado”.
E as sociedades? Como veem os advogados in house? Para Pedro Rebelo de Sousa, managing partner da SRS Advogados, é “fundamental o escritório colocar-se sempre na função de advogado interno e tentar acrescentar valor seja com informação e aconselhamento preventivo, seja de partilha de numa atividade transacional ou nas lides contenciosas”. Para o líder da SRS, que começou a carreira como advogado in house do Citibank, é necessária uma relação de “confiança” e “total cumplicidade”.
Também os sócios da Vieira de Almeida (VdA), Paulo Pinheiro e Teresa Empis Falcão, partilham da perspetiva de Pedro Rebelo de Sousa. “Os departamentos jurídicos internos das empresas são hoje em dia estruturas altamente sofisticadas e têm uma posição estratégica próxima dos centros de decisão e das áreas de negócio”, asseguram.
Os departamentos jurídicos internos das empresas são hoje em dia estruturas altamente sofisticadas e têm uma posição estratégica próxima dos centros de decisão e das áreas de negócio.
Ambas as sociedades estão em sintonia noutro aspeto. É importante existirem advogados in house, de forma a “permitir um melhor enquadramento e maximização das valências que os escritórios podem oferecer, devidamente canalizadas da melhor forma”, explica Pedro Rebelo de Sousa.
“Conhecendo os advogados internos, melhor que ninguém, o negócio da empresa e os seus protagonistas, o seu papel é imprescindível na partilha de ideias e na construção de soluções”, notam os sócios da VdA.
De uma empresa para uma sociedade
Luísa Campos Ferreira integrou recentemente a equipa de sócios da JPAB-José Pedro Aguiar-Branco Advogados, onde assumiu a coordenação da área de fiscal, após vários anos ao serviço de empresas, como BA Glass, Elastron e Philip Morris.
Feliz com o regresso a uma sociedade, a advogada assegura que esta mudança vai permitir o exercício especializado em direito fiscal e voltar ao contencioso tributário. “Regressar a uma sociedade de advogados permite um maior enriquecimento profissional enquanto advogada especialista, possibilitando o contacto diário com especialistas de diversas áreas do direito e enriquecimento especializado”, nota.
Ainda assim, Luísa Campos Ferreira garante que, enquanto in house, enriqueceu profissionalmente, tendo contacto com um ambiente profissional diversificado. “O contacto diário com todas as áreas permite um trabalho menos especializado, mas uma maior consciência do que é um negócio”, explica.
A recente sócia da JPAB assumia na empresa funções de apoio jurídico no departamento de corporate governance, compliance, recursos humanos e apoio jurídico transversal a todos os departamentos, análise de contratos, direitos de propriedade intelectual, direito contraordenacional e gestão de risco na decisão dos negócios.
“O papel do advogado de empresa, pelo menos nas sociedades onde colaborei, é sobretudo apoiar o negócio, orientando juridicamente para os riscos das suas decisões, fazer parte delas, com a possibilidade de acompanhar o resultado das opções tomadas e do trabalho realizado de acordo com o que foi construído”, explica Luísa Campos Ferreira.
O papel do advogado de empresa, pelo menos nas sociedades onde colaborei, é sobretudo apoiar o negócio, orientando juridicamente para os riscos das suas decisões, fazer parte delas.
Valorizada por todas as empresas pelas quais passou, a advogada acredita que ainda assim numa sociedade de advogados consegue ter uma “maior valorização profissional virada para a capacidade técnica”.
Tanto Alexandra Reis como Isabel Fernandes não colocam de parte uma mudança para sociedades de advogados. ‘“Nunca digas nunca’ é um bom lema de vida e reunidas as circunstâncias adequadas não deixaria de ponderar a possibilidade”, refere a líder do setor jurídico da Tabaqueira.
Dupla tributação é o grande desafio
Para os advogados in house o regime fiscal pode ser o grande desafio, pelo menos é este o entendimento do bastonário da Ordem dos Advogados. “O maior desafio para os advogados de empresa é a dupla tributação a que estão sujeitos, uma vez que têm de contribuir, não apenas para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores mas também para a Segurança Social, o que nos parece injusto”, refere Luís Menezes Leitão.
O maior desafio para os advogados de empresa é a dupla tributação a que estão sujeitos, uma vez que têm de contribuir, não apenas para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores mas também para a Segurança Social, o que nos parece injusto.
Para o bastonário, os advogados que contribuem para um sistema não deveriam ser obrigados a contribuir para outro sistema.
Ainda assim, o líder dos advogados deixou uma mensagem positiva todos os in house. “A Ordem dos Advogados neste mandato vai estar atenta aos problemas que afetam os advogados de empresa e tudo fará para garantir adequada proteção a essa advocacia”, assegura.
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In House: um pé no direito e outro no negócio
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