Clientes israelitas adiam viagens e começam a cortar encomendas em setores como o agroalimentar. Vendas a Israel valeram 441,7 milhões de euros em 2022. Conheça as maiores exportadoras e importadoras.
A escalada do conflito no Médio Oriente, iniciada há menos de duas semanas depois dos ataques terroristas do Hamas, está a preocupar as empresas portuguesas que exportam para Israel e que começam a fazer contas à vida. Os dados cedidos pela AICEP contabilizam um total de 933 sociedades (exclui as empresas em nome individual) com vendas para aquele mercado em 2022. Segundo apurou o ECO, em setores como o agroalimentar, do arroz ao vinho, os importadores israelitas já começaram a retirar ou a adiar encomendas.
No ano passado, as empresas nacionais venderam mercadorias no valor de 441,7 milhões de euros para Israel, o que significou um crescimento de 27,1% em termos homólogos. Já as compras portuguesas de bens produzidos em território israelita ascenderam a 116,7 milhões de euros, tendo disparado 40% face ao ano anterior. Ainda assim, de acordo com os números compilados pelo INE, o saldo da balança comercial é claramente favorável a Portugal, com uma taxa de cobertura de 378,5%.
O número de empresas que exportam para Israel tem vindo a subir nos últimos cinco anos – compara com 855 em 2018. No que toca à posição e quota deste país no comércio internacional de bens portugueses, os dados mais recentes revelam que é atualmente o 24.º maior destino das exportações nacionais, representando 0,56% do total, enquanto ocupa o 58.º posto na lista de fornecedores (0,11%). Por outro lado, Portugal é o 34º maior fornecedor de Israel, com uma quota de 0,5%, ocupando o 47º lugar no ranking dos clientes israelitas (0,15% do total).
O setor agrícola é, de longe, o que mais vende para Israel. Em particular, com um montante aproximado de 220 milhões no ano passado, a categoria da comercialização de animais vivos. Aliás, na listagem das 15 maiores exportadoras portuguesas para aquele destino, fornecida ao ECO pelo gabinete nacional de estatísticas, 11 são precisamente comercializadores de bovinos e ovinos, provenientes de explorações concentradas sobretudo no Alentejo. No pódio dos produtos mais exportados surgem as pastas celulósicas e papel – a Celbi e a Navigator aparecem em destaque no ranking dos exportadores –, e fecha com as máquinas e aparelhos.
Logo a seguir à Urbexpansão, uma comercializadora de animais vivos com sede no Montijo, constituída no ano 2000 e que exportou quase 40 milhões de euros em 2022, na lista das maiores exportadoras para Israel surge a Monte do Pasto, que há uma década estava quase falida e há quatro anos foi comprada pela chinesa CESL Asia ao Novobanco. Em declarações ao ECO, a presidente executiva, Clara Moura Guedes, fala num mercado antigo e relevante, que no último exercício valeu 25 dos 31 milhões de euros faturados, equivalente à compra de perto de 24 mil animais.
Com clientes israelitas e palestinianos, do outro lado da linha telefónica tem ouvido relatos de “uma vida muito complicada” e sentido os clientes “preocupados e com um nível elevado de ansiedade”. A gestora mostra-se apreensiva quanto à evolução futura das encomendas, embora a nível comercial os problemas tenham começado ainda antes de eclodir a guerra na região.
É que desde o início de setembro que as exportações estão suspensas, a aguardar o desfecho de uma negociação bilateral de protocolos relativos à saúde animal. “Estava em curso, mas agora não sabemos quanto tempo mais vai demorar. Será difícil, com a situação atual, haver foco [neste assunto]. Tudo depende de como isto vai evoluir. Se não fosse a guerra, esta situação já teria certamente sido resolvida”, desabafa Clara Moura Guedes, que lidera a maior criadora portuguesa de bovinos.
Estava em curso a negociação do protocolo [sanitário], mas agora não sabemos quanto tempo mais vai demorar. Será difícil, com a situação atual, haver foco [neste assunto]. Se não fosse a guerra, esta situação já teria certamente sido resolvida.
A mesma situação é descrita por Luís Rodrigues, gestor da HCR Livestock, que se dedica há mais de 60 anos à criação, engorda e venda de gado bovino. Com vendas para Israel desde 2016, os animais alentejanos seguem por via marítima e “são acabados de engordar lá”. Apesar do bloqueio atual provocado pela revisão do protocolo, esta empresa familiar de Évora, que fatura à volta de 30 milhões e exporta a quase totalidade da produção, espera que continue a haver “procura” por parte dos muçulmanos que vivem em Israel, que são “a maior parte dos clientes”, localizados sobretudo em Haifa, no norte do país.
Deolinda Silva, diretora executiva da PortugalFoods começa por dizer que “isto ainda é uma coisa muito recente, para que haja uma onda de impacto muito evidente”. No entanto, conta ao ECO que a Novarroz, empresa de Oliveira de Azeméis que é dona das marcas Oriente ou Louro e “responsável por quase toda a exportação de arroz português para Israel e também para a Cisjordânia”, já está a ser afetada diretamente pela guerra.
“Efetivamente, há neste momento alguma cautela e alguns adiamentos de encomendas. Nesta fase mais aguda, há muitos restaurantes que estão fechados e, como vendem também para o West Bank, tudo o que vai para lá passa pelos portos israelitas e neste momento é muito difícil transportar o arroz para a Cisjordânia”, contextualiza a porta-voz da associação do setor agroalimentar português, que no ano anterior exportou perto de 30 milhões para Israel.
Efetivamente, há neste momento alguma cautela e alguns adiamentos de encomendas. Nesta fase mais aguda, há muitos restaurantes fechados e é muito difícil transportar o arroz para a Cisjordânia porque tudo o que vai para lá passa pelos portos israelitas.
Olga Martins, CEO da Lavradores de Feitoria, tem trocado e-mails com os clientes israelitas, que inclusive já “tiveram de cancelar uma visita que iam fazer ao Douro”. A produtora que “voa” com a American Airlines e está a lançar uma marca no vinho do Porto enviou cerca de 21 mil garrafas, no valor aproximado de 80 mil euros, para este que “foi um dos mercados com maior crescimento no ano passado”, valendo 2,4% do total exportado. A empresária duriense admite que este conflito “terá impacto” no negócio, embora “a dimensão [das perdas] dependerá do tempo que demorar a voltar a estabilidade”.
Também o administrador da Quinta do Crasto confirma ao ECO que “se calhar não [vai] vender tanto vinho” DOC Douro e do Porto em Israel, onde está presente há sete anos. “Já falámos com o nosso importador e com amigos de lá, que estão a atravessar um momento muito delicado. Provavelmente, a resolução demorará um pouco mais de tempo do que pensámos e não sei até que ponto será possível nos próximos tempos retomarem a sua vida normal. (…) Dissemos ao nosso importador que não se preocupe se encomendar menos vinho. Sabemos como é o momento e estaremos cá para o ajudar”, resume Tomás Roquette.
Não sei até que ponto será possível nos próximos tempos retomarem a sua vida normal. (…) Dissemos ao nosso importador que não se preocupe se encomendar menos vinho.
O ECO questionou o presidente da AICEP sobre o efeito que esta situação pode vir a ter nas exportações portuguesas para aquele território e na captação de investimento empresarial com origem em Israel, mas Filipe Santos Costa, por via oficial, preferiu não fazer comentários.
Para novembro chegou a ter a expectativa de uma visita do presidente israelita a Portugal, acompanhado por uma missão empresarial. Recorde-se que foi em Telavive, a par de Riad e de Singapura, que a agência pública, tutelada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, decidiu abrir novas delegações, optando por encerrar as estruturas que tinha em Havana, Teerão e Cantão (China).
Molhos da Golegã seguem viagem, Parfois atrasa entregas
A Casa Mendes Gonçalves, fabricante de molhos, vinagres e condimentos, é uma das mais recentes exportadoras portuguesas para Israel. Em fevereiro, a produtora da Golegã, dona da Paladin, anunciou ter sido escolhida para fornecer alguns dos molhos para a McDonald’s em Israel, calculando nessa altura que em 2022 produziu mais de 184 milhões de unidades para os restaurantes da cadeia norte-americana naquele país. “Enviamos mercadoria todas as semanas para Israel e, para já, não temos indicações de haver nenhuma alteração”, garante o CEO, Carlos Mendes Gonçalves.
A retalhista portuguesa Parfois, que detém nove lojas em Israel, não respondeu aos pedidos de contacto feitos nos últimos dias. No entanto, na página local na Internet e numa mensagem escrita em hebraico, já está a avisar os clientes israelitas que “devido à delicada situação de segurança, haverá atrasos no sistema de entregas”, desejando ainda “dias de paz e muita saúde a todos os feridos”.
Enviamos mercadoria todas as semanas para Israel e, para já, não temos indicações de haver nenhuma alteração.
Por outro lado, tal como aconteceu recentemente com a pandemia de Covid-19 e com a guerra na Ucrânia, também há indústrias portuguesas que podem acabar por ter “alguma oportunidade de crescimento nas exportações”. É o caso das conservas de peixe, que é outra das “categorias relevantes” nas vendas para Israel e para a Cisjordânia, e que nestes períodos de maior turbulência costumam “crescer muito em contraciclo com os restantes produtos”.
“Temos algumas empresas nacionais a exportarem para aquela zona. É difícil fazer previsões, mas se, por um lado, ainda não há informação de perturbações [para esta indústria], por outro lado, as conservas de peixe poderão vir a beneficiar porque são um produto que se vende bastante em tempo de guerra, por ser pouco perecível”, explica Deolinda Silva, diretora executiva da PortugalFoods.
O conflito entre o Israel e o Hamas ameaça igualmente as compras que as indústrias portuguesas precisam de fazer a fornecedores israelitas. A lista dos maiores importadores de mercadorias em 2022 foi encabeçada pela filial da multinacional tailandesa Indorama Ventures, que em 2017 comprou a antiga fábrica da Artlant, unidade industrial ligada à área petroquímica instalada no complexo industrial de Sines, num investimento de 28 milhões de euros. Outra das empresas dependentes do fornecimento com origem em Israel é a ADP, instalada em Alverca e pertencente ao grupo Fertiberia, que produz e comercializa fertilizantes para o setor da agricultura.
Numa entrevista recente à TSF, o novo presidente da AICEP, falando da delegação em Telavive, sublinhou ter “a expectativa de gerar um movimento de investimento, sobretudo intensivo e tecnologia”. Filipe Santos Costa, que este ano sucedeu a Luís Castro Henriques, descreveu nessa ocasião que “há uma grande compatibilidade entre a economia portuguesa e a economia israelita, que vai desde a agricultura até às startups”.
A médio prazo, dependendo do desenvolvimento e duração do conflito, as atividades da HCCM em projetos com clientes do Grupo Aman podem vir a ser afetadas, por questões de gestão dos projetos onde estamos presentes.
Um dos mais recentes investidores israelitas em Portugal é o grupo Aman, que no ano passado adquiriu à HCapital a lisboeta HCCM Consulting, nascida como Netpeople na ParaRede, com a promessa de duplicar a equipa portuguesa e de passar um cheque de dez milhões de euros para investir noutras empresas de tecnologia. O diretor executivo, Rui Pereira da Silva, destaca ao ECO que “até agora o impacto não é significativo, tanto no Grupo Aman como na HCCM”.
Já a médio prazo, acrescenta, “dependendo do desenvolvimento e duração do conflito, as atividades da HCCM em projetos com clientes do Grupo Aman podem vir a ser afetadas, por questões de gestão dos projetos onde [está] presente”. A consultora teve receitas de 5,5 milhões de euros em 2022 e estima terminar este ano com 7,4 milhões, dos quais 70% no mercado doméstico. No estrangeiro, em regime de nearshoring, tem projetos e clientes no setor bancário, seguros, indústria e retalho.
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Mais de 930 empresas portuguesas exportam para Israel. Guerra já fez cair encomendas
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