Projeto-piloto à semana de trabalho de quatro dias terminou há um ano, mas várias das empresas que participaram decidiram não voltar atrás. Não escondem dificuldades, mas elogiam as vantagens.
Sexta-feira ainda não é o novo sábado em Portugal. Mas já há várias empresas cuja semana de trabalho é mais curta do que o habitual. Na Evolve e na Caminhos da Infância, por exemplo, a cada 15 dias, há um dia extra de descanso, mantendo-se, assim, o modelo que testaram ao longo do projeto-piloto coordenado por Pedro Gomes e Rita Fontinha. Não escondem as dificuldades, mas destacam as vantagens, a começar pelas melhorias no bem-estar dos trabalhadores.
O projeto-piloto à semana de trabalho de quatro dias envolveu 21 empresas que, entre junho e dezembro de 2023, reduziram de forma voluntária, reversível e sem apoio financeiro do Estado a carga horária dos seus trabalhadores, sem aplicar qualquer corte salarial.
No final do teste, a maioria das participantes sinalizou que iria manter o modelo. E, passado um ano, várias empresas continuam a praticar a semana de trabalho mais curta, de acordo com as declarações enviadas pelas próprias a pedido do ECO.
Com escritórios em Lisboa, Porto, Leiria e Setúbal, a Evolve foi uma dessas empresas. Durante o piloto, decidiu dar uma folga extra por semana a cada 15 dias (até duas por mês) e tem mantido esse modelo, ainda que o teste já tenha terminado há mais de um ano.
Em declarações ao ECO, Inês Luís, diretora-geral desta empresa de recursos humanos, explica que esse tempo extra permite aos trabalhadores dedicaram-se a “projetos de cariz familiar”, formação em desenvolvimento pessoal ou enriquecimento cultural.
Considera, por isso, que a semana de trabalho mais curta promove a valorização da conciliação entre a vida pessoal e profissional — aliás, permitiu à Evolve lançar em 2024 o selo de certificação de bem-estar e felicidade, sublinha –, mas também é vantajosa para a própria produtividade.
Não menos importante, a produtividade e a qualidade do serviço prestado não registaram qualquer impacto negativo, antes pelo contrário.
“Não menos importante, a produtividade e a qualidade do serviço prestado não registaram qualquer impacto negativo, antes pelo contrário. As equipas estão focadas na satisfação do cliente e na entrega do serviço cumprindo com os critérios de exigência do cliente”, assinala a diretor-geral, que detalha que as equipas estão tão bem “mais dinâmicas fruto do desenvolvimento de novas funcionalidades digitais, que permitiram a redução de tempos em procedimentos de cariz administrativo”.
Ao longo do piloto, o coordenador Pedro Gomes insistiu que não bastava reduzir as horas de trabalho, defendendo que seria a reorganização do trabalho, bem como a adoção de ferramentas tecnológicas que daria viabilidade à semana de quatro dias.
A responsável da Evolve não deixa, contudo, de reconhecer que há desafios no caminho rumo a uma semana de quatro dias. À cabeça, a gestão de tempo. “Continua a ser um desafio bem presente no dia-a-dia de cada equipa. Há um esforço constante na priorização das tarefas e na organização dos conteúdos das reuniões para que decorram de uma forma célere e produtiva permitindo com facilidade apresentar o serviço ao cliente com a qualidade elevada”, afirma.
Uma creche a trabalhar quatro dias por semana
Dos recursos humanos para o cuidado dos mais novos, a Caminhos da Infância foi motivo de notícia por ser uma creche que decidiu testar também a semana de trabalho mais curta.
Com o piloto agora terminado, decidiu adotar a semana de quatro dias a cada duas semanas, com exceção dos meses de julho, setembro e dezembro, meses muito marcados por férias e feriados.
A propósito, a gestão dos dias de folgas e faltas são hoje a principal dificuldade deste modelo, explica a diretora executiva, Inês Poeiras. “É uma equipa bastante nova, com filhos pequenos que implicam assistência em horário laboral. Apesar de haver a consciência generalizada na equipa de que uma falta vai sobrecarregar o resto, há situações inevitáveis que geram mudanças nas escalas e trabalho extra para a coordenação“, realça.
A dificuldade é a questão logística: folgas e faltas. Apesar de haver a consciência generalizada na equipa, de que uma falta vai sobrecarregar o resto, há situações inevitáveis que geram mudanças nas escalas e trabalho extra para a coordenação.
Ainda assim, não voltaram aos cinco dias por semana. Porquê? O bem-estar é generalizado dos profissionais, o que também se reflete na boa disposição dos clientes, as crianças. “Os trabalhadores conseguem responder melhor às exigências da vida pessoal (consultas, acompanhamento dos filhos na escola, atenção a pais e avós mais velhos) e as crianças mantém o nível de bem-estar”, argumenta Inês Poeiras.
Também Sociedade de Estudos Económicos (empresa de contabilidade, auditoria e consultoria fiscal sediada em Amarante) elogia o impacto social da semana de trabalho mais curta, pelo que têm mantido os quatro dias semanas, com dias de nove horas. “A adaptação foi fácil e a motivação para o trabalho aumentou”, adianta fonte oficial da empresa ao ECO.
Na mesma linha, mas de Amarante para Marco de Canaveses, a Crius Consulting destaca que o tempo extra proporcionado pela semana mais curta — neste caso, 36 horas semanais — é “precioso” para os trabalhadores estarem com a família ou “simplesmente descansarem”, o que tem ajudado a reduzir o stress e a melhorar a qualidade de vida.
“Sentimos que os colaboradores estão mais satisfeitos e, acima de tudo, mais equilibrados“, declara fonte oficial, que assegura que, mesmo do lado da empresa, os resultados têm sido encorajadores.
“A redução de dias de trabalho trouxe mais foco e eficiência. As equipas reorganizaram-se para priorizar o que realmente importa, e isso traduziu-se numa produtividade maior“, salienta a Crius Consulting.
O absentismo diminuiu, o que mostra que colaboradores mais felizes e motivados fazem, de facto, a diferença.
E continua: “A mudança de ferramentas utilizadas e o foco constante em encontrar formas de melhorar a eficiência com que tarefas repetitivas, regulares e mesmo as tarefas pontuais são feitas tem permitindo absorver em grande parte a diminuição da carga horária. Além disso, o absentismo diminuiu, o que mostra que colaboradores mais felizes e motivados fazem, de facto, a diferença“.
A gestão dos períodos de maior trabalho e a coordenação das folgas continuam a ser desafiante, admite a consultora, mas as vantagens superam os desafios, pelo que nesta empresa a semana de trabalho de quatro dias veio para ficar.
Reavaliar antes de abraçar
No caso da conimbricense Crioestaminal, depois do piloto, os empregados voltaram durante “uns meses” (entre dezembro de 2023 e março de 2024) à tradicional semana de cinco dias. Mas, entretanto, a folga extra de duas em duas semanas voltou a ser praticada em 2024.
No arranque de 2025, este banco de células estaminais está, uma vez mais, a fazer uma pausa. E, “se tudo correr bem”, a intenção é voltar à semana de trabalho mais curta no segundo trimestre deste ano.
“Queremos, para já, que a semana de quatro dias seja encarada como um benefício e, por isso, consideramos importante voltar, de tempos a tempos, ao esquema de semana de cinco dias”, salienta a diretora de recursos humanos.
Queremos, para já, que a semana de quatro dias seja encarada como um benefício e, por isso, consideramos importante voltar, de tempos em tempos, ao esquema de semana de cinco dias.
De acordo com Alexandra Beirão Mendes, em 2024 as equipas “escolheram o esquema”, em função das suas necessidades e das interações com as outras equipas, tendo sido redigido um regulamento que dita que, no máximo, pode existir duas semanas de quatro dias por mês.
“A maioria dos colaboradores escolheu a a sexta-feira, a cada duas semanas, mas houve departamentos em que alguns colaboradores tinham duas semanas de quatro dias, seguidas de duas semanas de cinco dias“, esclarece.
Já a Onya Health, empresa do setor da comunicação, tinha adiantado no início de 2024 que o modelo inovador seria para manter, mas está agora a reavaliar se será essa a prática também em 2025 ou se será adotada outro esquema igualmente flexível.
Também a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES) não está entre os empregadores que continuam a praticar a semana mais curta. Ao ECO, fonte oficial diz que vê, sim, “diversas vantagens”, mas ressalva que tem de considerar “diversos aspetos” que não estão colocados às empresas privadas, uma vez que a CASES é uma entidade externalizada do Ministério do Trabalho.
Kit de iniciação
O projeto-piloto já terminou, mas as empresas que tenham interesse em testar esse modelo vão ter acesso a algum apoio: a equipa coordenadora vai disponibilizar um kit de iniciação (ou starter pack), anunciaram os coordenadores no verão.
“O objetivo é oferecer um apoio – embora limitado – às empresas, ao mesmo tempo que continuamos a investigação académica e monitorizamos a adesão a esta prática pelo tecido empresarial português”, foi explicado no relatório final do piloto.
Ao ECO, Pedro Gomes adiantou que, ao longo do último exercício, houve várias sessões que foram gravadas e material produzido, que serão disponibilizado às empresas que testem a semana de quatro dias. “Apenas fornecemos o material, não o apoio” de consultoria, clarifica o coordenador. “Em contrapartida, recolhemos dados para usarmos em artigos académicos”, realçou o mesmo.
O ECO questionou, entretanto, os coordenadores sobre a data de lançamento deste kit, e Pedro Gomes avançou que tal acontecerá já nas próximas semanas.
Enquanto isso, outros países europeus — como a Bélgica — já estão a usar a experiência portuguesa para trilharem caminho rumo a um futuro onde a sexta-feira é mesmo o novo sábado.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Nestas empresas semana de trabalho de quatro dias veio para ficar
{{ noCommentsLabel }}