O Acordo de Paris cumpre hoje o seu 5º aniversário, mas não há razões para celebrar. Os atuais compromissos dos signatários vão fazer-nos chegar a 2.100 com um planeta Terra 3,2°C mais quente.
No dia em que se comemora o quinto aniversário sobre a data em que foi selado na COP 21, na capital francesa, o famoso Acordo de Paris, as opiniões dividem-se: uns estão animados com o acordo de última hora conseguido esta semana pelos líderes europeus para reduzir as emissões de CO2 em 55% até 2030 (face a 1990); outros, sobretudo os jovens ativistas pelo clima, vão tomar de assalto as ruas de todo o mundo, mas não para celebrar a efeméride. Querem acima de tudo metas muito mais ambiciosas para que o Acordo de Paris saia finalmente do papel, as emissões poluentes se reduzam e o aquecimento global seja travado.
Há cinco anos, aquele 12 de dezembro de 2015 ficou para a História como o dia em que as Nações Unidas reconheceram pela primeira vez serem necessárias medidas de redução das emissões de gases com efeito de estufa a partir de 2020, para conter o aquecimento global pelo menos abaixo de 2°C, mas preferencialmente em 1,5°C.
O documento foi depois assinado por 195 países em abril de 2016 e entrou em vigor em novembro desse mesmo ano. Sob o comando de Donald Trump, os Estados Unidos foram os primeiros a abandonar o barco, em novembro de 2020, mas deverão estar de regresso já em fevereiro de 2021, um mês depois de Joe Biden tomar posse como presidente.
Esta semana, e após longas horas de negociações, os líderes europeus, reunidos em Bruxelas, anunciaram que conseguiram chegar a um acordo para reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) em 55% até 2030, em relação aos níveis de 1990. O acordo foi anunciado pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e surgiu precisamente um dia antes de se assinalar, este sábado, 12 de dezembro de 2020, o 5º aniversário da data em que foi selado o Acordo de Paris.
“Se queremos salvar o planeta e se temos bem a consciência da emergência climática era mesmo agora que tínhamos de tomar esta decisão e o maior esforço de combate às alterações climáticas tem de incidir nesta primeira década”
A meta será agora negociada e integrada na Lei Europeia do Clima durante a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, no primeiro semestre de 2021.
“A Europa é líder na luta contra as alterações climáticas. Decidimos reduzir as nossas emissões de gases com efeito de estufa pelo menos 55% até 2030″, escreveu Charles Michel.
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Já o primeiro-ministro português, António Costa, falou de um acordo histórico e disse: “Se queremos salvar o planeta e se temos bem a consciência da emergência climática era mesmo agora que tínhamos de tomar esta decisão e o maior esforço de combate às alterações climáticas tem de incidir nesta primeira década”.
Otimistas e pessimistas: quem tem razão sobre o Acordo de Paris?
No debate desta sexta-feira “Cinco anos de Acordo de Paris, 10 anos de compromisso”, promovido pelo Ministério do Ambiente e da Ação Climática, e no qual participaram o ministro João Pedro Matos Fernandes, Jorge Moreira da Silva, ex-ministro do Ambiente e Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE, e Sofia Santos, economista e especialista em Financiamento Climático, as metas alcançadas por Portugal no combate às alterações climáticas, bem como estratégias, objetivos e compromissos para os próximos 10 anos estiveram em destaque.
Era este compromisso mais ambicioso por parte de Bruxelas a peça que faltava ao Acordo de Paris? Dos três oradores presentes, também as opiniões se dividiram, entre o maior otimismo do ministro Matos Fernandes, e o maior pessimismo de Moreira da Silva e Sofia Santos.
Paris não cumpre o espírito de Paris. Parece-me incontornável que, mais cedo do que tarde, se reforcem as metas se alinhem com os verdadeiros objetivos de 1,5°C. Isso vai-se jogar nos próximos anos
“O que aconteceu em Bruxelas foi muito importante e uma ótima forma de marcar os cinco anos de Paris. Os compromissos desta semana terão agora de ser confirmados em Conselho de Ambiente na próxima semana e depois com o Parlamento Europeu no primeiro trimestre de 2021. A Europa esteve sempre na liderança do combate às alterações climáticas, ganhou ainda maior destaque a partir do momento em que os EUA abandonaram. Corria o risco de perder a liderança política se não assumisse este novo compromisso. Era o esperado”, comentou o ministro do Ambiente e Ação Climática, sem esconder o orgulho de Portugal ter sido o primeiro país no mundo a dizer que vai ser neutro em carbono em 2050.
E garante que o país “pontua bem”: reduziu já em 26% as emissões poluentes, 8,5% em 2019, muito acima da Europa. E a Comissão Europeia considera que é um dos países em melhores condições para atingir as metas a que se propôs para 2030.
“É com enorme satisfação que vemos a Europa a assumir também este compromisso. Toda a Europa vai ser neutra em carbono em 2050 e vamos reduzir em 55% as emissões até 2030. É uma janela de oportunidade para acreditar que a neutralidade carbónica pode ser alcançada antes de meados da década”, prevê Matos Fernandes.
Foi precisamente das mãos de Jorge Moreira da Silva que Matos Fernandes recebeu a pasta do Ambiente há cerca de cinco anos, poucos dias antes de ser selado o Acordo de Paris, sendo agora o titular do cargo há mais anos em funções, tantos como os do mítico acordo. Agora, do seu posto de observação privilegiado na OCDE, Moreira da Silva tem uma visão pessimista sobre o progresso do Acordo de Paris, que por ano custa 7 biliões de dólares (2/3 dos quais para os países em desenvolvimento).
O Acordo de Paris tem este mecanismo de a cada cinco anos ser cada vez mais ambicioso. O acordo da UE permite que seja presentada na próxima semana uma nova contribuição maias ambiciosa. Não vamos chegar ainda a 1,5°C, mas ficaremos abaixo dos 3,2°C.
“Há um enorme gap entre o que é Paris e o que devia ser Paris. Estamos ainda muito longe daquilo que é necessário. A UE lidera pelo exemplo mas é necessário que a ambição de Paris seja reforçada. Paris não cumpre Paris. O Acordo prevê que não se ultrapasse 1,5°C de aumento da temperatura. Ora, na prática, se somarmos todas as contribuições que os países levaram para o documento, dá origem a um aumento de 3,2°C. Paris não cumpre o espírito de Paris. Parece-me incontornável que, mais cedo do que tarde, se reforcem as metas se alinhem com os verdadeiros objetivos de 1,5°C. Isso vai-se jogar nos próximos anos”, defende o Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE
Na sua opinião o grande problema passa pela “incoerência entre a insuficiência das medidas a curto e a ambição a médio/longo prazo. Todos nos regozijamos com a ideia de 126 países terem hoje objetivos de neutralidade carbónica para 2050 ou depois, mas é necessário antecipar para medidas de curto prazo que também sejam ambiciosas”.
Matos Fernandes garante que este aumento de 3,2°C já se sabia há 5 anos. “Mas o Acordo de Paris tem este mecanismo de a cada cinco anos ser cada vez mais ambicioso. O acordo da UE permite que seja presentada na próxima semana uma nova contribuição maias ambiciosa. Não vamos chegar ainda a 1,5°C, mas ficaremos abaixo dos 3,2°C. O que preocupa não é o eixo Portugal, Espanha França, são os países com maior défice de conforto e qualidade de vida, onde a população vai aumentar mais, onde o risco das emissões é maior”, rematou o ministro.
Para Sofia Santos, o que foi alcançado em Bruxelas é o necessário, é uma boa notícia, mas não é ainda o suficiente. Isto porque, explica, o Acordo de Paris tem como objetivo que a temperatura da Terra não aumente mais do 1,5ºC até ao final do século. Mas na zona do Mediterrâneo já aumentou esse 1,5ºC e no resto do mundo já aumentou 1°C.
“Temos 80 anos para que não aumente mais 0,5°C. Há também estudos que dizem que os compromissos dos países ao nível da redução das emissões resultarão num aumento da temperatura de 3,2°C até ao fim do século. Ou seja, os compromissos assumidos à data de hoje não fazem com que consigamos atingir o Acordo de Paris. Não é isso que se quer. Os compromissos têm de ser mais fortes. Devemos ambicionar a neutralidade carbónica ou até mesmo sermos negativos em carbono. Tendo em conta os valores da ciência, os compromissos da política e as emissões efetivas que resultam da atividade económica, temos 10 anos para acelerar o percurso, porque se não o fizermos eu atrevo-me a dizer que o Acordo de Paris poderá estar em risco“, alertou a economista.
Greta fala das “palavras vãs” de Paris. Tinha 12 anos quando foi assinado
Este sábado de aniversário do Acordo de Paris vai ficar marcado pela Cimeira da Ambição Climática, que foi convocada pela Organização das Nações Unidas (ONU), Reino Unido e França, em parceria com o Chile e a Itália. Assumindo-se como um “sprint para Glasgow”, onde a 26.ª sessão da Conferência das Partes (COP 26) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC) decorrerá entre 1 e 12 de novembro de 2021, a Cimeira da Ambição Climática 2020 será uma plataforma para líderes governamentais e não governamentais demonstrarem o seu empenho no Acordo e no processo multilateral.
Com o objetivo ganhar ímpeto e apelar a uma ação e ambição climática muito maiores, os governos nacionais são convidados neste dia a apresentar planos climáticos mais ambiciosos e de alta qualidade, bem como planos de recuperação da Covid-19, novos compromissos financeiros e medidas para limitar o aquecimento global a 1,5.°C.
O encontro inclui discursos dos coanfitriões e parceiros – o secretário-geral da ONU, António Guterres, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, o Presidente francês, Emmanuel Macron, o Presidente chileno, Sebastián Piñera, e o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte – juntamente com declarações de outros Chefes de Estado e de Governo e atores não estatais, bem como presidentes passados e presentes da COP.
“Estabelecem metas distantes e hipotéticas, pronunciam grandes discursos, mas, quando se trata da ação imediata que precisamos, estamos sempre na negação completa e perdemos tempo com novas escapatórias, palavras vazias e contabilidade criativa”
Do lado dos jovens ativistas, que este sábado se vão manifestar por todo o mundo, a sueca Greta Thunberg já veio criticar as “metas hipotéticas e distantes” e as “promessas vazias” do Acordo de Paris, reiterando o seu apelo a uma ação imediata. Desde a assinatura do acordo, a 12 de dezembro de 2015, “muitas coisas aconteceram, mas a ação necessária ainda não é visível no horizonte. Continuamos na direção errada”, explica a adolescente de 17 anos num vídeo de três minutos publicado nas redes sociais.
“Estabelecem metas distantes e hipotéticas, pronunciam grandes discursos, mas, quando se trata da ação imediata que precisamos, estamos sempre na negação completa e perdemos tempo com novas escapatórias, palavras vazias e contabilidade criativa”, acusa a jovem militante.
Por seu lado, os ativistas da Greve Climática Estudantil lançaram o compromisso de lutar pelo limite de 1,5°C de aumento da temperatura global. O movimento lembra que há cinco anos os líderes mundiais assinaram o Acordo de Paris, fazendo um “compromisso para com o mundo, para com aqueles que estão nas linhas da frente, e para com as futuras gerações: enfrentar a emergência climática e limitar o aumento da temperatura global em menos de 2°C”. No entanto, no entendimento dos ativistas, a crise climática continua a não ser tratada como uma crise.
Como tal, após cinco anos de inação, de falsas promessas e de vazios políticos, não identificam o propósito em pedir aos líderes para honrar o compromisso que fizeram em Paris, que se revela, em si, insuficiente: “Está na hora de fazermos os nossos próprios compromissos’”. Por isso, os ativistas comprometem-se a lutar por limitar o aumento da temperatura global em 1,5°C – aquilo que a Ciência diz ser necessário”.
Ativistas do Fridays For Future, de todo o mundo, escreveram também um compromisso, no qual garantem lutar pelo limite de aumento de temperatura global de 1,5º graus que conta já com milhares de assinaturas individuais e de coletivos, e poderá ser lido e assinado em https://fridaysforfuture.org/fightfor1point5/promise/.
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“Paris não cumpre Paris”. Então como vamos limitar o aquecimento global a 1,5°C?
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