Para o ex-ministro das Finanças, a queda do Lehman Brothers foi a constatação de uma crise que até então não tinha sido percebida. Nacionaliza o BPN porque "qualquer fagulha podia causar um incêndio".
Onde estava quando o Lehman Brothers faliu? No n.º1 da Av. Infante D. Henrique. Teixeira dos Santos, então ministro das Finanças, estava no Terreiro do Paço no dia 15 de setembro de 2008, quando o mundo viveu um dia histórico. O Lehman Brothers, um banco americano com 158 anos, colapsava com estrondo, provocando uma onda de choque nos mercados financeiros mundiais.
Em Lisboa, no Ministério das Finanças, nessa mesma data, o dia seguia a rotina normal. Fernando Teixeira dos Santos, o homem do norte que ocupava o cargo de ministro das Finanças, estava, como habitualmente no ministério. É aí que é surpreendido com o anúncio. “Estava, como habitualmente, no meu posto, no ministério“, diz em declarações ao ECO, Teixeira dos Santos, o ministro das Finanças do governo de José Sócrates, que em 2008 liderava o país.
“A falência do Lehman Brothers foi, de alguma forma, a constatação de um grau de gravidade da crise que até essa altura não tinha sido ainda percebida“, afirma o ex-ministro.
A falência do Lehman Brothers foi, de alguma forma, a constatação de um grau de gravidade da crise que até essa altura não tinha sido ainda percebida.
No verão de 2008, os problemas que atormentavam os governos da Europa, eram outros. Teixeira dos Santos diz que “havia a sensação que os problemas do subprime – colapso do crédito hipotecário de alto risco – não estavam resolvidos, mas estavam controlados”. Um engano, reconhece hoje o economista.
“Nesse verão, as preocupações estavam centradas no agravamento da inflação – que tinha atingido os 3% – a que o BCE, em julho desse ano, tinha respondido com um aumento das taxas de juro. Era esta a conjuntura que se discutia.” Para Teixeira dos Santos, a falência do Lehman Brothers “foi um pedrada no charco e trouxe à superfície um cenário de crise, que se agravou a partir daí”.
A dimensão do Lehman Brothers, que acumulava uma dívida superior a 613 mil milhões de dólares, justifica as afirmações do ex-ministro. Era um daqueles bancos ‘too big to fail’. É nessa altura que a falência dos bancos passa a ser uma realidade, “um cenário que até aí ninguém equacionava”, diz o economista.
Telemóvel de Teixeira dos Santos inundado por SMS
No mundo, e em particular em Portugal, as manchetes dos jornais começam a retratar uma nova realidade e o tom passa a ser de desconfiança: “estará o seu dinheiro seguro nos bancos?”. Teixeira dos Santos diz que o seu telemóvel foi inundado por mensagens. Amigos e conhecidos queriam saber como estava o setor bancário e faziam perguntas concretas sobre os maiores bancos nacionais.
É também, por esta altura, que entram palavras novas no vocabulário nacional. “Começa a perceber-se o quão grave podem ser os ativos tóxicos no balanço de um banco, podendo levar à insustentabilidade. E isso começa a ser um sinal de alerta, e um sinal de alerta também em Portugal”.
As preocupações dos portugueses, na altura, estavam centradas no BCP. O banco, onde Carlos Santos Ferreira chegara a 15 de janeiro de 2008, vindo diretamente da presidência da Caixa Geral de Depósitos, era notícia constante nos jornais. A guerra de poder desencadeada por Jardim Gonçalves, a polémica à volta dos ‘off shores‘ criados para subscrever aumentos de capital do banco e o alegado favorecimento ao filho do fundador do banco eram alguns dos temas que marcavam a atualidade. Em simultâneo, o BCP tinha negociado um plano com o Banco de Portugal para reforço dos capitais próprios.
Tudo junto levava os portugueses a interrogarem-se se a falência da Lehman Brothers teria aberto um ciclo de falências de instituições bancárias em Portugal. Teixeira dos Santos diz que “ser ministro nesta conjuntura é muito complicado, muito difícil“. O ex-ministro recorda que “é uma crise sem precedentes e que evoluía a um ritmo muito rápido. A rapidez surpreendeu todos, hoje fazia-se uma projeção, mas eram rapidamente ultrapassadas. Os eventos não deixavam de nos surpreender”.
Do Lehman à nacionalização do BPN
É assim, nessa série de eventos surpreendentes, que surge a nacionalização do BPN. Estávamos a 2 de novembro de 2008, quando Teixeira dos Santos anuncia que o Governo vai propor à Assembleia da República, a nacionalização do Banco Português de Negócios (BPN).
A justificação, para a primeira nacionalização em Portugal desde 1975, era dada pela situação “excecional”, “delicada” e “anómala” vivida por aquela instituição bancária. O ministro das Finanças garantia que o BPN estava numa situação de “iminente rutura de pagamentos”.
O banco detido pela Sociedade Lusa de Negócios registava perdas acumuladas de 700 milhões de euros. Era o adensar da crise e, sobretudo, a constatação que os bancos em Portugal também (iam) podiam cair.
Teixeira do Santos diz hoje que “o BPN já estava a ser acompanhado há algum tempo, mas com a crise do subprime adensaram-se ainda mais as preocupações à volta da instituição e também do Banco Privado Português (BPP), de que já se falava”.
“De um modo geral instalou-se um ambiente de desconfiança em torno dos bancos“, refere o ex-ministro das finanças. De resto, Teixeira dos Santos reconhece que o “BPN teve o impacto que teve devido a esse contexto. O banco, pela sua dimensão, não constituía uma ameaça ao sistema bancário nacional, mas num ambiente em que se respira gasolina, qualquer fagulha pode desencadear um grande incêndio“. No ministério e no Governo havia a perceção de que “qualquer pequeno incidente no sistema bancário podia afetar os grandes bancos”.
A a 1 de setembro de 2008 (14 dias antes da queda do Lehman Brothers), o mundo, e Portugal não era exceção, estava preocupado com o Furacão Gustav, uma tempestade a lembrar o Katrina, que três anos antes destruíra Nova Orleães. A Convenção dos Republicanos — que consagraria John McCain, que faleceu a 25 de agosto, como o grande opositor de Barack Obama — esteve mesmo em risco de não se realizar devido à tempestade.
Por cá, o Benfica vivia dias conturbados, especialmente o treinador Quique Flores, depois do resultado negativo alcançado na Luz, frente ao FC Porto. Ainda no futebol, Quaresma mudava-se para o Inter de Milão, uma transferência que envolveu 23 milhões de euros.
Já na imprensa especializada, os sinais da crise no crédito já eram uma evidência. Os custos com pagamento de juros disparavam 34% nas cotadas nacionais. E a EDP, que na altura já era liderada por António Mexia, era a empresa mais afetada pela subida do preço do dinheiro por causa da dívida da companhia.
Na política, Marcelo Rebelo de Sousa estava ainda longe de chegar a Presidente da República, e o seu afastamento na rentrée da líder do partido, Manuela Ferreira Leite, era notícia.
Os incêndios também estavam nas primeiras páginas. Longe dos números arrasadores do ano passado e, deste ano com o incêndio de Monchique, até 15 de agosto de 2008 tinham ardido 7.231 hectares em Portugal, mais dois mil hectares do que no ano anterior.
O Lehman Brothers nem sempre foi um banco. Começou por ser uma loja de produtos alimentares em Montgomery (Alabama), fundada pelo imigrante alemão Henry Lehman em 1844. A chegada do seu irmão Emanuel Lehman levou à mudança de nome da empresa para “H. Lehman and Bro.”. Alguns anos depois, o irmão mais novo, Mayer Lehman, também migrou para o Alabama, resultando na criação do Lehman Brothers. Nos anos 50 do século XIX, a loja passou a aceitar pagamentos em algodão, que era um bem muito valioso na altura. Em 1856, Henry Lehman morreu vítima de febre amarela e os restantes irmãos acabaram por se focar na negociação de matérias-primas. Além do algodão, chegaram a transacionar petróleo, açúcar e café.
Foi há 10 anos que o Lehman Brothers colapsou. O dia 15 de setembro marca simbolicamente o início da maior crise financeira dos últimos 80 anos. ‘Onde estava quando o Lehman faliu?’ é uma rubrica diária, de 1 a 15 de setembro, onde empresários, banqueiros, políticos, economistas e advogados dizem ao ECO como viveram a queda do banco e o que aprendemos com a crise.
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Quando o Lehman faliu “respirava-se gasolina”, diz Teixeira dos Santos
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