80 horas para enviar dinheiro

Uma transferência bancária pode levar mais de 80 horas a chegar ao destino, enquanto o MB Way faz quase o mesmo em apenas um segundo. Bancos têm transferências imediatas, mas são pagas. Devem ser?

Há qualquer coisa nos bancos que me causa alguma impressão. Dizemos que a tecnologia corre a uma velocidade alucinante, mas as transferências bancárias demoram uma eternidade. Chega mesmo a ser absurdo: se der uma ordem de transferência na sexta-feira à noite, só chega ao destino na terça-feira de manhã. O dinheiro fica três dias no limbo, como se estivesse a marinar.

Ao mesmo tempo, se recorrer ao MB Way, a aplicação de pagamentos da SIBS, sou capaz de transferir até 750 euros de uma vez para outra conta nacional em apenas um segundo. Se o montante a transferir for superior, posso ainda assim transferi-lo em várias parcelas, desde que não exceda os 2.500 euros por mês.

Vale a pena pôr as coisas em perspetiva. Se precisar de transferir 2.500 euros para outra conta nacional numa sexta-feira à noite, caso o faça pelo MB Way, o dinheiro chega, razoavelmente, em dez segundos à outra conta. Se o fizer por transferência bancária convencional às 21h00, assumindo que chega ao destino na terça-feira às 6h30, a operação leva mais de 80 horas a ser concluída, ou perto de 290 mil segundos.

Um gestor do setor rapidamente me lembrará que a banca portuguesa já permite transferências imediatas – dez segundos e o dinheiro chega ao destino. Porém, não são gratuitas e nem todos os bancos o permitem fazer.

Mas deviam ser. Estamos em 2022 e o setor financeiro enfrenta uma revolução. Longe vão os tempos em que o home banking era só para os early adopters da tecnologia. Prova disso são os 200 balcões que encerraram só no ano de 2020, mais os 16 mil empregos extintos pela banca portuguesa numa década.

O Banco de Portugal tem uma posição semelhante. Numa conferência organizada pelo ECO na semana passada, Hélder Rosalino, administrador com o pelouro dos pagamentos, expôs o tema como preto no branco: “Em Portugal, as transferências imediatas são consideradas um serviço premium pelos bancos. Não deviam ser.”

Na ótica de Hélder Rosalino, é preciso criar uma “estratégia nacional” para dar gás às transferências imediatas. “Temos o hábito de fazer transferências a crédito, mas têm um delay [atraso] de 24 horas. Em Portugal, as transferências imediatas estão disponíveis desde 2018, possíveis em dez segundos, mas ainda não são usadas por todos nós. As transferências imediatas e os dispositivos [móveis] serão o novo normal”, disse.

Subscrevo. Pagar por transferências imediatas em 2022, por exemplo, não é muito diferente de pagar para enviar um e-mail. E nunca me lembro de pagar para enviar e-mails. Acredito que não tem sentido numa economia digital, onde a Revolut permite trocar euros por dólares de forma instantânea e a Klarna, um gigante europeu (ainda meio adormecido em Portugal), oferece crédito em poucos segundos.

Os mesmos bancos que cobram por transferências imediatas já enchem a boca com o jargão típico de quem canta odes às criptomoedas: a blockchain é ‘o futuro’; os criptoativos são ‘uma oportunidade’. Mas talvez fosse mais útil melhorar algo que beneficie todos do que uma área que, para já, só beneficia alguns.

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