A arbitragem e a contratação pública
Na prática o legislador desfere um golpe fatal na arbitragem em matérias de contratação pública ao coartar, sobremaneira, uma das suas principais vantagens: a celeridade na resolução de litígios.
I. O legislador com a revisão de 2017 do Código dos Contratos Públicos, acrescentou o artigo 476.º sob a égide da resolução alternativa de litígios, o que só por si levanta questões muito mais amplas do que aquelas que aqui cumprem dar nota. No preâmbulo – sem valor jurídico – do Decreto-Lei que operacionalizou essa revisão, o legislador refere estabelecer um regime que promova a resolução alternativa de litígios que permita um julgamento mais rápido e, subsequentemente, menos oneroso.
No fundo, parece que o legislador pretenderia descongestionar a arrastada jurisdição administrativa, permitindo que os cidadãos e as empresas nos litígios contratuais que os opunham ao Estado, pudessem beneficiar de uma decisão rápida que, pusesse termo ao litígio.
Mas não, no n.º5 do sobredito artigo, o legislador da reforma do Código dos Contratos Públicos estabeleceu que em litígios de valor superior a € 500.000 cabe recurso da decisão arbitral para o Tribunal Administrativo. Isto é, o legislador, com o afã de relegar para tribunal arbitral – preferencialmente, em centro de arbitragem institucionalizado – os litígios resultantes de contratos públicos, acaba por colocar numa posição complexa, um dos principais atrativos da arbitragem, a celeridade na decisão.
II. É certo que esta regra, bule com a norma constante do artigo 39.º, n.º4 da Lei da Arbitragem Voluntária que estabelece a irrecorribilidade da decisão arbitral. Bule de igual modo, com a reforma de 2015 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que remetia essa matéria para a Lei da Arbitragem Voluntária que, como se viu, assume como regra a irrecorribilidade.
O legislador, falhou, redondamente, ao criar uma manta de suspeição na decisão arbitral, criando um terreno fértil de argumentário aos detratores da arbitragem administrativa, malgrado a sua admissibilidade constitucional.
III. Como um erro, regra geral, nunca vem só, com a revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por meio da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, o legislador, acrescenta ao artigo 180.º, n.º3, uma alínea b) que, na prática acrescenta ao limiar de 500.000 do n.º5 do artigo 476.º do Código dos Contratos Públicos, os valores que lhe sejam inferiores.
Na prática o legislador desfere um golpe fatal na arbitragem em matérias de contratação pública ao coartar, sobremaneira, uma das suas principais vantagens: a celeridade na resolução de litígios, obrigando assim a uma sindicabilidade das decisões por um Tribunal Administrativo cuja morosidade, se encontra por demais documentada.
IV. O legislador, com esta fúria recursiva, opta por deixar o operador privado que pretende dirimir um litígio com a administração num dédalo, não se percebendo se o objetivo não é, ao contrário do anunciado no preâmbulo do Decreto-Lei que revê o Código dos Contratos Públicos, restringir e retirar a utilidade prática desta.
*Simão Mendes de Sousa é advogado na sociedade Mendes de Sousa.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
A arbitragem e a contratação pública
{{ noCommentsLabel }}