A queda de um gestor *
O ECO revelou em primeira mão uma denúncia sobre uma relação amorosa entre o CEO da Galp e uma diretora de topo. Menos de 96 horas depois, Filipe Silva demitiu-se.
A notícia do ECO foi uma bomba, daquelas que, primeiro, se estranham e, depois, se entranham (por cá e nos mercados internacionais), e nunca vista nas grandes empresas portuguesas: A Comissão de Ética e Conduta da Galp está a investigar uma denúncia anónima que revela uma alegada relação amorosa, mantida em segredo, entre o CEO da companhia, Filipe Silva, e uma diretora de topo, que depende hierárquica e diretamente do gestor. É a empresa a espreitar pelo buraco da fechadura? Não, são as exigências, desejáveis, para evitar conflitos de interesse que levem a decisões que prejudiquem a petrolífera, conflitos de facto ou percecionados.
Comecemos pelo processo. As primeiras reações na sexta feira à noite, quando a notícia foi publicada, causaram estranheza. O ECO passou a fazer o denominado jornalismo das revistas cor de rosa, tabloide, que procura o escândalo? Não, os temas de corporate governance, os conflitos de interesse, os valores e os compromissos de uma empresa são tão importantes como os resultados, mais, os lucros sustentáveis dependem também da confiança e credibilidade junto de todos os stakeholders, internos e externos. É um novo mundo (não é assim tão novo, mas há 20 anos provavelmente este tipo de casos seria remetido para as revistas do coração).
O ECO ouviu todas as partes envolvidas, protegeu de forma deliberada a identidade da diretora da companhia, e centrou-se no que é importante: E o que é importante não é do foro da vida íntima dos protagonistas, mas das consequências que uma relação amorosa entre um CEO e uma diretora pode ter no processo de decisão de uma empresa. As empresas não podem nem devem entrar na esfera da vida privada, nem é notícia se o CEO é casado ou divorciado, essa esfera pertence a cada um e não é alienável. Mas o que está em causa é se uma relação próxima e pessoal entre um CEO e uma diretora pode ser mantida em segredo e se há decisões empresariais influenciadas por esse contexto pessoal e não pelo interesse e defesa da companhia.
A comissão de ética da Galp está a investigar uma denúncia anónima, as grandes empresas são hoje obrigadas a manterem mecanismos que permitam essas comunicações sem risco de haver represálias. Mas a denúncia, em si mesmo, não prova a existência da relação, menos ainda conflitos de interesse. As partes têm de ser ouvidas, claro. O ECO fê-lo antes de publicar a notícia, e fez todas as perguntas, detalhadas, para dar a oportunidade do esclarecimento da verdade. É a nossa missão. Cada uma das partes respondeu o que entendeu responder.
O que diz o código de ética da Galp? “Um conflito de interesses surge quando os nossos interesses pessoais, sejam eles financeiros, profissionais, familiares, políticos ou outros, ou os interesses de alguém com quem temos um relacionamento próximo, influenciam ou podem ser percecionados como influenciadores do exercício objetivo dos nossos deveres e responsabilidades profissionais”. Influenciam ou podem ser percecionados como influenciadores. Este é o ponto mais frágil para o atual CEO da Galp, a perceção de influência, e que, a confirmar-se a relação, seja lá qual for a sua natureza, teria de ser comunicada à comissão de ética.
O ponto, obviamente, não é apenas jurídico. Os temas reputacionais, e de conflitos de interesse, têm uma dimensão subjetiva que os acionistas avaliam em cada momento. “Os princípios de conduta podem ser quebrados sem estar escrito que constituem uma quebra. Por isso existe uma Comissão de Ética”, explica João Moreira Rato, presidente do IPCG, citado pelo ECO. Há casos internacionais muito conhecidos, por exemplo o da BP em setembro de 2023, curiosamente também na indústria petrolífera. E até na política há limitações. Em 2019, Costa, por exemplo, deixou de fora do governo Ana Paula Vitorino porque o seu marido, Eduardo Cabrita, seria ministro, uma decisão para fugir às críticas do conhecido ‘familygate’. Acabou depois a contradizer-se quando permitiu dois governantes irmãos, Ana Catarina Mendes e António Mendonça Mendes.
Qualquer que seja o juízo final da comissão de ética, que terá de ser comunicado ao Conselho Fiscal e, depois, ao conselho de administração, há um ponto importante: Deve ser rápido, tão rápido que permita à Galp e a Filipe Silva um de dois caminhos, fechar este dossiê ou substituir o CEO.
* É o editorial do ECO desta terça-feira. Esta noite, às 19h57, o CEO da Galp apresentou a demissão “por razões familiares”. Afinal, a notícia em primeira mão do ECO, a denúncia anónima, era mais do que voyeurismo.
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