A Suécia e a Utopia Social-Democrata
Acusados de racistas, xenófobos, populistas, nacionalistas, neo-nazis, os "Democratas da Suécia" surgem no topo de todas as sondagens. E a Suécia vai a eleições no próximo dia 9 de Setembro.
De Copenhaga a Malmö. A auto-estrada, o túnel sob o leito do Mar Báltico, a ilha artificial e finalmente a enorme ponte de Oresund. Bem-vindos à Suécia, o paraíso da social-democracia. A Suécia, uma ambiciosa “super-potência humanitária” que, só em 2015, recebeu 163.000 refugiados para uma população de 10 milhões de habitantes. Muitos percorreram confortavelmente a ponte de Oresund para chegar a este refúgio na Escandinávia.
Perante o afluxo incontrolável, as autoridades repuseram o controlo de fronteiras em 2016 e o ritmo de entrada baixou para os 30.000 migrantes. O controlo fronteiriço mantém-se em vigor. Em Malmö, tempo para um rápido pequeno-almoço no café Lilla Kafferosteriet. Depois a viagem para o destino original, o bairro de Rosengard na periferia da cidade. Pela janela do carro é possível observar os edifícios bem cuidados, os espaços verdes e abertos, aqui e ali um parque infantil. Pouca gente na rua. Mais à frente surge com alguma surpresa o “Zlatan Court”, um campo de futebol construído e oferecido por Zlatan Ibrahimovic ao bairro onde nasceu em 1981.
Em Rosengard 9 em cada 10 habitantes são refugiados ou imigrantes; o desemprego é 10 vezes superior à média nacional; a área é considerada pela polícia uma “zona vulnerável” (eufemismo utilizado para designar uma zona interdita). Dependendo da fonte, podem existir na Suécia, respectivamente, 23, 55 ou 61 zonas interditas. A estatística divide-se face à repercussão política. No percurso pelo ‘hinterland’ de Rosengard surgem vários automóveis queimados, outros cobertos de cinza e fuligem, duas paragens de autocarro consumidas pelo fogo, até que numa esquina, não muito longe da esquadra de polícia, o olhar fixa-se num pequeno memorial – velas apagadas, flores em forma de coração e o retrato de um jovem com uma inscrição em arábico. O santuário assinala o lugar de mais um tiroteio entre gangues rivais. Tiroteios, ataques à granada, motins, passaram a fazer parte da rotina de Rosengard. Não longe dali, a esquadra de polícia já foi alvo de vários ataques à bomba. Alguém confessa que a célula local do antigo Partido Comunista da Suécia organiza várias patrulhas por semana para “devolverem as ruas aos suecos”.
Há qualquer coisa de perturbante entre a realidade e a ideia de um paraíso da social-democracia. A Suécia ocupa os lugares cimeiros no índice de prosperidade e no ranking de felicidade entre as nações da Europa. Por outro lado, a Suécia é considerada pelas instâncias internacionais como o melhor país, talvez do mundo, para se ser refugiado. No entanto, um carro com matrícula estrangeira nas ruas de Rosengard causa suspeita e a simples presença de um smartphone provoca curiosidade, perguntas e uma postura geral de agressividade. Há qualquer coisa de errado na narrativa sueca. Por um lado há a Suécia da utopia social-democrata, um híbrido entre o liberalismo e o socialismo que criou uma sociedade de bem-estar, próspera, segura e desenvolvida. Por outro lado há a Suécia que, de tão liberal e de tão aberta, acabou por colocar em risco esse horizonte de progresso e de segurança.
Vive-se um momento de viragem na Suécia, um tempo onde os argumentos públicos convergem com os pensamentos privados na expressão política de um país rasgado pela percepção de uma profunda “injustiça social”. Nesta percepção reside a origem do crescimento dos ‘Democratas da Suécia’, um partido no espectro mais à direita no panorama político da Europa. Acusados de racistas, xenófobos, populistas, nacionalistas, neo-nazis, este partido surge no topo de todas as sondagens. E a Suécia vai a eleições no próximo dia 9 de Setembro.
Ainda de acordo com um Professor da Universidade de Malmö, a Suécia não consegue integrar os refugiados, precisamente por ser um país altamente sofisticado, complexo e desenvolvido, os empregos existentes valorizam a educação e não a imigração. No entanto, o debate sobre a integração é banido em favor da ilusão de uma perfeita utopia social-democrata. O memorial em Rosengard evoca o facto de que o politicamente correcto também mata nas ruas da Suécia.
De regresso a Copenhaga, e do alto da ponte de Oresund, o Báltico confunde-se com a noite e a noite com a memória. Em 1943, quando os nazis ordenaram a deportação dos judeus da Dinamarca, e a coberto da noite, a resistência dinamarquesa conseguiu fazer passar por aquelas águas agitadas toda a comunidade judaica, cerca de 8000 almas, para a segurança garantida pelo estatuto de neutralidade da Suécia. Hoje em Malmö, os residentes não-judeus acompanham os seus vizinhos judeus, exibindo o tradicional ‘kippah’, quer aos eventos da comunidade, quer aos serviços religiosos na Sinagoga. No maior teste à tolerância, a estrela polar da social-democracia é hoje parte de um novo mundo polarizado.
Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
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