Advocacia: As sociedades multidisciplinares – É possível a coexistência com a prática tradicional?
Há um problema: é que tal urgência não dispensa, não pode dispensar, uma resposta adequada. Não remendos, não soluções de cariz político para “tapar buracos”, nem medidas para “encher o olho”.
A advocacia vive um tempo de transformação e de transformação acelerada.
Desde os debates sobre o estágio à possível abertura a sociedades multidisciplinares, passando pelo longo dirimir de argumentos a propósito da CPAS – o presidente da instituição, meu amigo Vítor Coelho, de que tive a honra de ser mandatário, deu a esse respeito uma esclarecedora entrevista -, tudo está em jogo.
É normal que seja assim, face à realidade de um mundo em transformação a uma velocidade crescentemente acelerada, novos desafios colocados à sociedade – questões morais e problemas éticos, a exigir regulação, interpretação jurídica, ação judicial eventual -, o desenvolvimento do mundo digital, com a recentíssima chegada da inteligência artificial à boca de cena (está em cena há muito, nós é que não ligávamos) torna a mudança, não apenas necessária, mas urgente. Muito urgente.
Há um problema: é que tal urgência não dispensa, não pode dispensar, uma resposta adequada. Não remendos, não soluções de cariz político para “tapar buracos”, nem medidas para “encher o olho” e acalmar a inquietação. Será difícil, pois a (natural) lentidão das instituições da democracia é avessa à pressa. Sendo normal, hoje em dia pode ser fatal.
No caso da advocacia, o que ontem (e como ontem) se fazia não pode ser feito hoje e será anacrónico no futuro próximo.
Atentemos no exemplo das sociedades multidisciplinares, até hoje interditas às sociedades de advogados em Portugal. Elas são realidade noutros países, certas consultoras oferecem, mesmo por cá, um serviço jurídico complementar de outros saberes, no limite da infração estatutária.
No meu caso, exerci advocacia intermitentemente ao longo da vida, estando para tal habilitado há décadas. Tive a sorte – e, espero, o engenho -, de ter, nos intervalos da prática, aprendido vários outros mesteres. Da gestão à ciência política, passando pela comunicação empresarial, muito fui fazendo e aprendendo, em empresas, no setor público, em instituições nacionais e internacionais, na Academia e até na política.
Quando recentemente retomei atividade como advogado – se saí da advocacia, ela nunca saiu de mim -, apercebi-me de que essa experiência e competências, aprendidas ao longo de uma carreira longa, me seriam muito úteis.
Prestar serviço a clientes, especialmente do setor empresarial, nacional e internacional, mas também a instituições, definindo estratégias que incluam uma visão geopolítica da realidade, atentem à realidade normativa das jurisdições envolvidas – com foco, no nosso caso, no direito europeu -, entendam de gestão, considerem questões reputacionais, de imagem, técnicas da comunicação, é uma grande mais-valia. E até cada vez mais se exigem conhecimentos nas novas tecnologias, com a compreensão, nomeadamente, do que representa e para onde vai a inteligência artificial.
Haverá sempre que acautelar a questão deontológica própria a cada uma das profissões que se associem, mas sem pôr em causa, no final, as exigências próprias do exercício da advocacia, na relação com os clientes, com a sociedade, com o direito. Não é um exercício fácil.
Mas as sociedades de advogados modernas, sem prejuízo do trabalho que continuará, e bem, a ser feito por advogados em livre prática ou por sociedades ligadas à prática da “advocacia tradicional”, que sempre serão necessárias, precisam de deter internamente as competências adequadas ao mundo complexo em que vivemos.
É a realidade – e é inútil lutar contra ela.
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