A sociedade e o pensamento britânicos não estão imunes a revivalismos imperiais. E todos os anos, com ou sem pandemia, temos a subserviência de importar um Império e agradecer a ocupação.

Gostei de ver a multidão em Lisboa com o entusiasmo desportivo madrugada dentro. Gostei ainda mais da orgia britânica na cidade do Porto com muito álcool, murros e muito creme solar. O Governo também adorou as celebrações. Em Lisboa, porque as coisas são o que são. No Porto, porque é a imagem do País que está em causa e Portugal não defrauda a Europa com espectáculos de segunda categoria. Só que o Governo esquece-se que estamos em plena pandemia, ignora que os portugueses têm estado confinados, diz que sim e mais também, faz cálculos para as Autárquicas e mais cálculos para a Economia. Conclusão: com confinamentos não se ganham eleições e sem turistas não se recupera a Economia.

E onde ficam os portugueses nesta folha de cálculo? Não se pode dispensar os portugueses enquanto se endireita as Finanças? É que os ingleses chegam felizes, gastam libras, mudam o tom de pele do branco para o vermelho e vão-se embora ainda mais felizes com os bolsos vazios e os cofres nacionais sempre a facturar. Em suma, Portugal deve ser transformado no parque temático exclusivo dos ingleses. Não será isto uma versão pandémica de uma espécie de colónia pós-moderna?

A grande conclusão que os portugueses podem tirar é a que são uma variável secundária para o Governo. Já estão a ser vacinados e ainda querem excursões temáticas pelas praias e maravilhas de Portugal. Ingratos. Mas o que o Governo não percebe nem pressente é o desprezo e o ressentimento dos portugueses face às decisões e omissões do Executivo. O Governo na sua estúpida arrogância não percebe que, aos olhos do cidadão que lê estas linhas, já não lhe resta vestígio de Autoridade. A ideia base do combate à pandemia é delegar nos “especialistas”, aplicar o receituário e dizer que está tudo sob controlo. Um Executivo incontinente não controla nada, nem políticas, nem Ministros. O actual Governo é uma “bolha” inchada que está na órbita de Costa.

Depois há ainda a tese dos “problemas de comunicação” do Governo. Não há nenhum problema de comunicação. O que há verdadeiramente é a incompetência do Governo, o desleixo face à “fadiga pandémica”, a duplicidade de critérios, mas sobretudo a subserviência de um País pobre e triste que está sempre pronto para servir à mesa e limpar o lixo. As libras tudo compensam quando o Governo não salvaguarda a sua própria dignidade.

Neste particular, o ministro dos Negócios Estrangeiros é o exemplo de um Estadista. Indigna-se, não entende a lógica de Portugal fora da lista verde britânica, não consegue encontrar um racional para a decisão de Londres, em vez da diplomacia observam os portugueses uma lamúria incessante de mão estendida, como se os ingleses estivessem preocupados com Portugal e ficassem sensibilizados pelos órfãos do Sul. Visto do céu cinza de Londres, o Sul é o Sol que não têm, o Sul é a excitação das paragens exóticas, o Sul é a versão contemporânea de um Orientalismo à moda do Algarve, o Sul é substituir o saco de água quente como fétiche sexual pela prática quente do verdeiro sexo selvagem. Que se saiba não existe vacina para o impulso animal, tanto que a pandemia não tem sensibilidades moralistas e até agradece a proximidade social. O Ministro dos Negócios Estrangeiros vai aguardar pela próxima decisão britânica, na esperança de um arremedo de bom senso, e até lá preside a reuniões da Presidência Portuguesa da União Europeia, fica em silêncio, pratica a diplomacia discreta ou então dedica-se à sua excelsa vocação política – “Bater na Direita”.

Quanto ao primeiro-ministro está desaparecido em combate político. Veste a farda de Secretário-Geral do PS e esmifra-se País fora para explicar o novo milagre socialista para os próximos anos. A pandemia não é problema uma vez que as vacinas estão em alta rotação nacional – Portugal está transformado numa linha de montagem que produz objectos vacinados, mas que não educa cidadãos responsáveis e conscientes do alcance e das limitações da vacinação. Falta o factor humano. Falta a noção da vulnerabilidade e o respeito pelo próximo, sobra a arrogância da pressa e do privilégio para passar um Verão descansado à beira-mar plantado.

Perante a aparente “catástrofe” inglesa, o primeiro-ministro pinta nas paredes o futuro dourado de Portugal. Livre da Oposição, obcecado pelo Poder, a nova doença política e social do País é mesmo a arrogância. O primeiro-ministro imagina Portugal num qualquer Horizonte XXI, a realização da Idade de Ouro, o marco histórico entre dois momentos da História-Pátria – AC/DC – Antes de Costa e Depois de Costa. Há qualquer coisa de delirante, de lunático, demencial, como se Costa fosse a alma de Portugal e Portugal tivesse na sua voz a voz de todos nós.

A sociedade e o pensamento britânicos não estão imunes a revivalismos imperiais e práticas coloniais. E o conceito chave a esta atitude implica a ideia de uma superioridade cultural que legitima a manipulação e a instrumentalização de culturas tão ou mais antigas do que a cultura britânica. Portugal depende desta inferioridade cultural para a sua prosperidade económica. E assim, todos os anos, com ou sem pandemia, temos a subserviência de importar um Império e agradecer a ocupação.

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