Ainda o orçamento, a UTAO e a DBRS
O défice de 2,5% para 2016 ainda é uma forte incerteza e o objetivo de défice para 2017 é francamente otimista.
Tal como afirmei há uma semana aqui no ECO, a UTAO vem apontar várias incongruências e dúvidas relativamente às contas de 2016 e o OE/2017. A este relatório, foi também, na segunda-feira, divulgada a execução orçamental de setembro, em contabilidade pública (Boletim mensal da DGO).
O que é que esta nova informação nos diz e confirma relativamente a 2016? Comecemos pelos dados de setembro: o défice em contabilidade pública reduziu-se em cerca de 300 milhões €. No entanto, o quadro abaixo mostra que a receita continua muito aquém do esperado.
Nos últimos três meses do ano, vai ser preciso cobrar 6,6 mil milhões (bis) € em impostos diretos e 7,5 bis em impostos indiretos. Trata-se de cobrar, entre outubro e dezembro, 3,5 bis em IRS, 1,6 bis em IRC e 4,2 bis em IVA, além dos restantes impostos.
No ano passado, em igual período, cobrou-se cerca de 5 bis em impostos diretos e 5,5 bis em impostos indiretos. Ou seja, é preciso nestes três meses que faltam, cobrar, face a 2015, mais de 3 bis em impostos.
Por outro lado, o governo conta de facto com uma forte contração das despesas de capital, que em setembro têm uma taxa de execução abaixo dos 50% face ao previsto no OE/2017 para 2016. As despesas com pessoal continuam acima do orçamentado.
Desta forma, mantenho as dúvidas que escrevi aqui há uma semana no ECO: O défice de 2,5% do PIB para 2016 é ainda uma forte incerteza. Não é claro que o valor não possa ficar em torno dos 3%.
Quanto ao relatório da UTAO, vem confirmar aquilo que também aqui escrevi há uma semana: o défice de 2017, de 1,6%, é francamente otimista.
- Primeiro, porque resulta, como vimos atrás, de uma execução de 2016 que tem uma forte incerteza relativamente a atingir os 2,4% de défice.
- Segundo, porque essa redução resulta de um conjunto de efeitos que a UTAO estima sobrevalorizados e/ou pontuais. Isto porque quando governo decide tomar um conjunto de medidas como a sobretaxa do IRS ou o IVA da restauração, agrava o défice em 0,6 p.p.. Isso significa que o défice, mesmo que fique em 2016 em 2,5%, “começa” o ano em torno dos 3,1%. Passar para 1,6% implica uma redução de 1,5 p.p.. Essa redução baseia-se no efeito do crescimento económico (muito otimista), e em medidas pontuais, como o aumento dos dividendos do Banco de Portugal e a recuperação da garantia do BPP.
- Adicionalmente, a UTAO alerta para outro aspeto que já tinha abordado aqui: o OE não cumpre com as regras do Tratado Orçamental, nomeadamente a redução do saldo estrutural em 0,6 p.p.. Apesar de o dizer no papel, o governo conta para a redução do saldo estrutural com medidas pontuais, não repetíveis. Ora o saldo estrutural é exatamente o saldo orçamental corrigido do efeito do ciclo económico e das medidas pontuais. Já no OE 2016 o governo abriu uma guerra com a Comissão Europeia, em torno desta questão. Vamos repetir o erro de discutir metodologias, ao invés de discutir política e estratégia?
- Por último, a decisão da DBRS em manter a nossa dívida como investment grade e manter o Outlook de Portugal como estável. Foi um ganhar de tempo, mas a agência lança alertas muito importantes. Talvez o que tenha sido mais relevante, porque aparentemente apanhou muita gente de surpresa, foi o de que os juros têm agora um limiar, já não de 7%, mas de 4%. Conforme tive oportunidade de escrever em julho, Portugal tem neste momento taxas a 10 anos em torno dos 3% a 3,2%. Sucede que este valor é ilusório. A realidade é que, face a Espanha, já temos spreads de quase 200 basis points (bp) e face à Alemanha já são superiores a 300 bp. Há um ano atrás, em abril-maio, as taxas de juro chegaram a ser de 1,5%, e o spread face a Espanha inferior a 100 bp e face à Alemanha inferior a 200 bp.
Em setembro de 2010, Teixeira dos Santos disse, numa entrevista, que as taxas de juro a 10 anos teriam um limite de 7%. Na altura, o ministro cometeu dois erros muito prejudiciais a Portugal: o ter fixado um limite, fazendo com que o mercado rapidamente se encostasse a esse valor; e o de ter-se atingido esse valor em outubro, e ter-se esperado 6 meses para pedir o resgate.
Mas agora o limite é inferior: bastará que as taxas de juro cheguem a 4,5%-5% e Portugal estará novamente fora dos mercados. As contas são simples e podem ser feitas de duas maneiras: em 2010, 7% representava uma taxa de juro real de 5%, dado os 2% de inflação. Hoje, com inflação zero, uma taxa de juro real de 5% será também uma nominal desse valor. Ou então, em 2010, 7% representava um spread de 500 bp face à Alemanha. Hoje, esse spread de 500 bp coloca-nos em torno dos 4,5%.
Quando olho para a estratégia que está a ser levada a cabo, lembro-me de uma frase de Maquiavel: “Mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela”.
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