Árvores de plástico
O primeiro-ministro e o seu Governo são uma ficção, são uma orquestra escondida no túnel do comboio fantasma.
A grande novidade deste Governo é que vai enviar a cada português uma carta invocando “escusa de responsabilidade”. Só deste modo se consegue perceber o deserto político em que este País está transformado. Se, por um lado, temos um deserto, do outro lado o País é inalado por um mar de chamas que queima recursos, propriedades, sonhos e exporta o fumo pelo vento que o transporta sem custos até Madrid. Os custos ficam em Portugal enquanto o Governo recusa responsabilidades e outras vaidades. Os custos pagam os portugueses no deserto da terra queimada com a acrobacia dos “meios aéreos” e os “relatórios técnicos” que aguardam outro tempo e outras circunstâncias. Enquanto o País se consome a si mesmo, o Governo não se vê, não se ouve, não se adivinha, apenas o exército vermelho dos bombeiros nas florestas de Portugal. E as declarações de um Ministro da Administração Interna iluminadas pelos holofotes das chamas. É o Ministro de turno.
O silêncio do Presidente da República e as palavras do Presidente da República justificam a alienação do Governo, legitimam a impotência de um Executivo que devia receber da Presidência uma intimação nacional invocando uma “situação de alerta” político. Mas não. Viciado em banhos de praia, o Presidente da República resolve este ano passar as férias como Comentador Oficial da República, como se a política fosse um jogo em que se inventam e desinventam “factos políticos”, como se a política fosse uma contabilidade de títulos em que se ganham ou se perdem pontos. No final, apenas se salvam os notáveis políticos. A figuração dos portugueses resume-se às imagens de televisão. Este ano ainda não arderam portugueses e aqui reside o grande sucesso político.
A opção política do Presidente coloca-o na dependência do Governo, coloca-o na situação de uma figura decorativa em que os portugueses ainda confiam, mas que funciona como contrafogo face às responsabilidades do Executivo. Esta opção do Presidente da República representa a capitulação política do seu mandato perante o poder esmagador de uma Maioria Absoluta socialista, pseudo-progressista, arrogante, autoritária. A Presidência dá assim cobertura política a um poder que tende a ser hegemónico e dominador, passando uma espécie de certificado de infantilidade política a outras maiorias absolutas socialistas e sociais-democratas.
Aliás, a preparação do Governo para a “época de incêndios” pauta-se pela absurda infantilização política do Executivo. Desta vez entre os “relatórios técnicos” e a descompensação política, o Governo parece ter recorrido ao universo Disney para recolher dados e inspiração. Os fogos são causados por trovoadas secas e raios gigantes como no Livro da Selva. Os fogos são criados por hienas gananciosas como no Rei Leão. Os fogos são criados por cometas galácticos iguais aos que levaram à extinção do Parque Jurássico. A organização, o planeamento, a coordenação, a limpeza, a ordenação, a prevenção, o valor económico da fileira da floresta, são argumentos absurdos que nada podem e que nada pesam face ao panorama da eco-catástrofe das alterações climáticas, da seca, do sol, do vento, das ondas de calor, da vertigem da desresponsabilização política como reflexo último, único e primeiro. Este Governo partiu derrotado para a “época de incêndios”. Este Governo planeia sair vencedor desta “época de incêndios”. Literalmente é uma política de terra queimada.
O Primeiro-Ministro abriu a “época de incêndios” com a declaração de que sem “mão criminosa” não existem incêndios florestais. Perante o balanço funesto que é possível fazer, chega-se então à conclusão de que existe em cada português um lunático incendiário. Na falsa pacatez de um português esconde-se a loucura de um qualquer Imperador Nero que manda incendiar Roma desprezando os foguetes, as festas populares, a copiosa gastronomia e o estrondo divino dos bombos de Portugal. Há ainda a teoria conspirativa de que o País arde em função dos grandes interesses das celuloses, dos madeireiros e do tráfico lucrativo da madeira queimada, a versão negra da cocaína branca. Existe uma peculiar teologia das chamas no imaginário político nacional instalado à sombra de um eucalipto.
O Primeiro-Ministro afirma agora que “temos de viver com o que temos”. Salazar na sua infinita sabedoria não diria melhor. A Troika sempre afirmou que Portugal vivia “acima das suas possibilidades”. O Primeiro-Ministro que combateu politicamente Salazar e a Troika vem agora revelar os mesmos argumentos reaccionários e neo-liberais. Perante estas afirmações é lícito perguntar se este Governo tem um módico de inteligência natural ou um circuito de inteligência artificial, porque para além do reflexo político de uma propaganda patológica falta-lhe competência, empenho, seriedade e respeito pelos portugueses. Sobra uma fábrica política de snobismo invertido baseado na estagnação e na indiferença.
O Primeiro-Ministro e o seu Governo são uma ficção, são uma orquestra escondida no túnel do comboio fantasma. A sinfonia política soa abafada como se as palavras tivessem fugido e deixado uma página em branco. Quando olho o sorriso do Primeiro-Ministro chego à conclusão que Portugal é governado por um holograma.
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