As lições que não quisemos (nem queremos) aprender
Urge dar aos cidadãos a liberdade de usarem o seu dinheiro naquilo para aquilo que eles consideram ser essencial e não utilizar o dinheiro destes para o clientelismo que é apanágio do Estado.
A posição de Portugal, economicamente falando, não estava óptima e isso não era de hoje. Desde o início do milénio tivemos o pântano de Guterres, a destruição do erário protagonizada por José Sócrates, a crise de 2008, a crise de 2011 e a intervenção da troika (cujo programa de ajustamento foi ainda assinado pelo próprio José Sócrates).
O ajustamento, pela via duma tributação gradualmente mais pesada sobre os rendimentos do trabalho das pessoas singulares e colectivas, levou a que inúmeros portugueses saíssem do seu país Natal, no que foi uma vaga migratória ímpar na nossa história. Desde então, a austeridade não acabou, bem pelo contrário, aumentou.
Se se pode alegar que até à saída da troika, não havia muito mais para fazer do que aquilo que foi assinado no memorando de entendimento, é falso dizer que após a saída da troika, a 4 de Maio de 2014, não se podia ter feito mais. Desde então havia margem, muita margem para fazer aquelas medidas que são necessárias, mas que podem ser impopulares: as chamadas reformas estruturais.
As reformas estruturais são todo o conjunto de políticas económicas direccionadas a potenciar o lado da oferta das economias, i.e., as empresas, o mercado de bens e serviços e mercado laboral. Elas são necessárias, porque no período compreendido entre 1980–2013 o crescimento médio da Zona Euro foi 1,7%/ano vis-à-vis os EUA que cresceram 2,7%/ano. O efeito composto desta taxa de crescimento levou a diferenças relevantes no PIB e no PIB per capita entre estas duas grandes zonas económicas e mais do que isso, levam-nos a um corolário óbvio: há coisas que os EUA fizeram bem que nós, europeus, não fizemos.
Estas medidas que eram necessárias no pós-Lehman e no pós-soberanas, são obrigatórias no pós-COVID, senão atentemos às seguintes contas rápidas, que pecam em exactidão exactamente por isso, mas que nos permitem evitar um vocabulário muito tecnocrata. Para simplificar, vamos pegar “apenas” num sector: o do turismo. E dizemos “apenas”, porque será, de longe, um dos mais afectados e simultaneamente um dos maiores do país.
Segundo o INE, o sector do turismo, onde se inclui a restauração, equivaleu a 14,8% do PIB em 2018. Assumindo que o sector teria o mesmo peso em 2020, assumamos agora mais três pontos:
- Que as receitas do sector durante o segundo trimestre de 2020 é nulo. Infelizmente, isto não deverá andar longe da realidade;
- Que as receitas do turismo se repartem equitativamente por todo o ano, i.e., que todos os meses contribuem com igual ponderação para as receitas do turismo, o que é falso visto que sabemos que a Primavera e sobretudo o Verão contribuem muito mais que as restantes estações, e que infelizmente serão exactamente essas primeiras estações as mais afectadas;
- Que tudo volta ao normal em Junho o que, como todos sabemos, é falso (restrições às praias e a falência de várias empresas são certezas e futuras quarentenas uma possibilidade).
Ora se perdermos um trimestre dum sector que corresponde a 14,6% do PIB, estamos a perder 25% deste valor, ou seja, estimamos uma redução do PIB de 3,65%. E fazemo-lo ignorando as subestimações (atenção, “sub” e não “sobre”) do impacto do COVID-19 nos pontos 2 e 3, ignorando a perda de rendimento dos trabalhadores que foram despedidos e também ignorando o impacto que o desaparecimento de algumas destas empresas terá nos outros sectores. Repito, fazendo contas de merceeiro (e sem qualquer desprimor para os mesmos) haverá um impacto de 3,65% no PIB, olhando apenas para um sector de actividade.
No cômputo geral, o FMI estima que a dívida pública passe dos 117,7% do PIB em 2019 para 135% em 2020 e aponta para um défice de 7,1%. A quebra estimada no PIB rondará os 8%, o que é um valor, no mínimo, grotesco. Para pôr em perspectiva o que nos vai acontecer, segundo o Eurostat a queda do PIB real em 2009 foi de -3,1% e em 2012 de -4,1%. A queda prevista põe a produtividade da economia portuguesa em níveis de 2006/2007. Há todo um novo sentido lusófono para a expressão nipónica de “década perdida”, até porque perdemos mais do que uma década.
As ditas reformas estruturais que nós em Portugal teimamos, por motivos puramente ideológicos, em não assimilar fizeram muitíssimo bem a países como a Irlanda, a Estónia e a Lituânia. A Irlanda em particular é o zénite das mesmas. A redução do IRC de 25% para 12,5% no pós-crise atraiu inúmeras empresas e muito IDE e isso não é surpreendente. Tal como qualquer pessoa procura a melhor casa possível, na melhor zona possível pelo preço mais baixo possível, assim são as empresas: Querem sediar-se no país mais seguro possível (sobretudo a nível legal), com o melhor capital humano possível, com o menor custo possível por lá estarem – esse custo, maior do que os salários, são os impostos.
Para os céticos, o impacto desta medida é fácil de mostrar: O rácio de dívida sobre o PIB que era de 119,9% em 2013, em 2019 foi de apenas 58,8% (dados do Eurostat). Hoje a Irlanda, pode contrair dívida a juros muito mais baixos do que Portugal para apoiar as suas empresas e os seus cidadãos. Mais do que os subsídios, foi a subversão do ideal paternalista do Estado socialista que acha que sabe melhor aquilo que fazer com dinheiro dos outros do que aqueles que o ganharam, que permitiu a esse mesmo Estado hoje ajudar aqueles que mais precisam em melhores condições.
Urge por isso a desburocratização completa do Estado e de todas as coisas que dele dependem (o que em Portugal não é dizer pouco) a começar pelo extremamente complexo sistema fiscal que pende todos os dias sobre nós, qual espada de Dâmocles sobre os mal-afortunados. Urge agilizar todos e quaisquer procedimentos que permitam salvar mais uma empresa e mais um emprego num dos raros momentos em que a imiscuição do Estado é realmente necessária. Urge acima de tudo dar aos cidadãos a liberdade de usarem o seu dinheiro naquilo para aquilo que eles consideram ser essencial e não utilizar o dinheiro destes para o clientelismo que é apanágio do Estado. Urge um Portugal mais liberal.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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