Até quando é que isto dura?

Estaremos hoje melhor preparados para enfrentar a próxima crise mundial? A minha resposta é “nem por isso”.

A subida do nível de risco de Portugal para nível de investimento por parte da agência S&P, bem como o último relatório de acompanhamento da economia portuguesa do FMI, reacenderam a questão sobre se a melhoria da situação económica em Portugal é apenas temporária (cíclica) ou se está aí para ficar (de forma estrutural). Trata-se de uma discussão que remete para algum academismo, por isso, a bem da compreensão e da objectividade, recomenda-se a utilização de dados concretos que, tanto quanto possível, digam alguma coisa às pessoas no seu dia-a-dia. É isso que me proponho fazer hoje e para tal utilizarei dados relativos a uma década (2007 a 2017, cujo ponto intermédio corresponde ao pior ano da crise, o de 2012).

Em primeiro lugar, há que assinalar que o total de empregos na economia portuguesa se encontra ainda abaixo da fasquia dos quase 5,2 milhões de empregos, uma fasquia atingida em 2002, ou seja, muito antes da crise. Mas, ao nível actual de quase 4,8 milhões de empregos, o país está também significativamente acima dos cerca de 4,4 milhões de empregos do final de 2012 (ainda que abaixo dos 5 milhões de 2007). Por outras palavras, o crescimento do emprego, que nos últimos anos tem sido marcado sobretudo pela criação de empregos a salário mínimo, tem sido também insuficiente a fim de retirar Portugal da longa crise de empregabilidade em que caiu no início do milénio. Acresce ainda uma outra interrogação: qual é a verdadeira qualidade, e qual será a verdadeira duração, de muito deste novo emprego? Segundo a nova secretária de Estado da Indústria Ana Teresa Lehmann, entrevistada há dias pelo Expresso, “no ano passado 46% do emprego foi criado por start-ups”. Entre os sectores em expansão, realce-se que a evolução do turismo, e a actividade dos estabelecimentos hoteleiros em particular (cujos proveitos só no mês de Julho de 2017 foram de 428 milhões de euros, face a 236 e 219 milhões em Julho de 2012 e 2007, respectivamente), contém uma componente permanente, mas contém também um certo risco, dada a natureza eminentemente cíclica da própria actividade.

Em segundo lugar, destaque-se também o rendimento disponível bruto das famílias que, a preços correntes, deverá este ano ultrapassar o máximo anterior registado em 2010. Porém, da análise deste mesmo indicador a preços constantes, isto é, descontando o efeito da inflação desde então, resulta que o rendimento disponível das famílias em 2017 terá comprado menos bens e serviços que um nível idêntico de rendimento em 2010. Associado a isto, temos a taxa de poupança que baixou significativamente de quase 8% no auge da crise para 4% hoje. Ou seja, temos hoje que o custo de vida está mais caro e que as famílias poupam cada vez menos. É certo que os incentivos à poupança são hoje muito diminutos, e que as famílias têm optado por reduzir o seu endividamento à banca, mas cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Que as famílias nunca tenham tido um nível de poupança tão baixo levanta um grande ponto de interrogação sobre as consequências de uma próxima recessão (que, é certo e sabido, acabará por acontecer). O consumo privado, que na prática representa uma renúncia ao aforro, tem efeitos positivos no curto prazo, mas na ausência de uma reserva de segurança essa menor aversão ao risco rapidamente será invertida. Por outras palavras, a fraca poupança agravará as oscilações da economia – para ambos os lados.

Em terceiro lugar, a questão da competitividade. Neste domínio, importa questionar como é que está hoje a economia portuguesa em matéria de custos e de produtividade – as duas dimensões do chavão “competitividade”. Relativamente aos custos, há dois indicadores que devem ser mencionados. Por um lado, o custo do trabalho em percentagem do PIB. Neste indicador, Portugal passou de 56% do PIB em 2007 para 51% estimado em 2017 (fonte: Ameco); na zona euro o mesmo indicador cresceu ligeiramente de 55% para 56%. Por outro lado, os custos unitários do trabalho (nominais), que medem os custos do trabalho face à produtividade do mesmo e que em Portugal contraíram fortemente entre 2009 e 2012, têm estado a crescer desde 2013 ainda que a um ritmo inferior ao crescimento registado na zona euro. Em suma, os dois indicadores sugerem que, hoje em dia, o problema da (falta de) competitividade de Portugal não está tanto no custo (ainda que a evolução recente e previsível dos salários possa de novo levar ao problema), mas sim na produtividade.

O que nos leva ao quarto ponto, o da produtividade, que é precisamente onde encontramos o busílis da questão sobre se tudo isto é temporário ou se é permanente. Como está então a evolução da produtividade em Portugal? No espaço de dez anos (incluindo a previsão para 2017), a produtividade do trabalho em Portugal terá crescido cerca de 5%, sendo que todo o ganho acumulado nesta década se concentrou essencialmente em dois anos: 2010 e 2013 (fonte: Banco de Portugal). Ademais, aos diminutos ganhos de produtividade, sublinhe-se também que desde 2014 a produtividade tem vindo a crescer mais na zona euro do que em Portugal. Coincidentemente ou não, também o rácio de exportações sobre o PIB, depois de um forte crescimento entre 2009 e 2013 (em que passou de 27% para 39% do PIB), parece ter estagnado desde então. Estes indicadores, realçando a importância da recuperação cíclica da economia mundial na recuperação de Portugal (o caso de 2009-2010 é particularmente notório), demonstram que tirando esses surtos de “ciclicalidade” a performance nacional tem sido globalmente insuficiente para fazer face aos desafios, quer os herdados, quer os futuros.

Em suma, com excepção do turismo (cujos operadores conseguiram aumentar o “preço” a par do aumento da “quantidade”, assim contrariando a lei da procura e da oferta, o que também tende a ser temporário), a evolução dos restantes indicadores discutidos neste artigo evidencia uma natureza mais cíclica do que estrutural. Por isso, à pergunta “estaremos hoje melhor preparados para enfrentar a próxima crise mundial?” a minha resposta é “nem por isso”. É facto que não teremos uma crise súbita de pagamentos, porque a balança corrente está hoje equilibrada (face aos défices pré-resgate de quase 10% do PIB). Mas, ainda assim, apesar de alguma melhoria, o PIB potencial continua muito aquém daquele que seria necessário no sentido de uma efectiva convergência face à Europa mais rica (sendo que conjunturalmente, vide último trimestre em cadeia, a situação foi já de divergência). Para concluir e numa só expressão: não há decolagem.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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