Bitcoin e ouro na Era de Trump

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 15:09

Dois fatores estão a impulsionar o Bitcoin: um ambiente regulatório mais favorável ao mercado de criptomoedas e a possibilidade de criação de uma reserva estratégica na moeda digital.

Desde a eleição de Trump, os mercados dos EUA assumiram uma postura de forte risk-on, com valorização das ações e queda das obrigações do tesouro e do ouro. Paralelamente, o Bitcoin (BTC) valorizou significativamente, reforçando a sua natureza de mais risk-on relativamente ao ouro.

Mas será que tem sido apenas isso? Desde a eleição de Trump, o ouro caiu 6%, enquanto o BTC subiu 35%. No entanto, esses dois ativos não costumam ter uma correlação negativa, e muito raramente uma correlação negativa assim tão pronunciada, salvo em exceções pontuais, como no início da guerra na Ucrânia. São mais as semelhanças que os unem do que as diferenças que os separam.

Ao contrário dos ativos úteis (produtivos), como uma empresa, uma casa ou um depósito a prazo, o BTC, tal como o ouro, na ótica exclusivamente de metal preciso, é um ativo especulativo. Ambos oferecem apenas ganhos de capital, sem qualquer rendimento associado (como juros, rendas ou lucros). Contudo, o ouro tem um historial de 6 mil anos como reserva de valor, enquanto o BTC existe há apenas 15 anos, sustentado principalmente na fidúcia nos seus algoritmos.

No mundo financeiro, especialmente entre os entusiastas do BTC, a principal criptomoeda é vista como o “ouro digital” – uma reserva de valor. Mas nos primeiros meses após o início da guerra da Ucrânia, comportou-se como um ativo risk-on, perdendo mais de metade do valor à medida que as ações desvalorizavam, sobretudo o índice tecnológico Nasdaq, a inflação subia e as taxas de juro aumentavam. Já o ouro valorizou cerca de 200 dólares, ou 12%, embora tenha depois corrigido parte desse ganho com o aumento das taxas de juro pela Reserva Federal (Fed).

Durante a crise bancária regional nos EUA, em março de 2023, o BTC confirmou a sua solidez como possível reserva de valor, com uma valorização de mais de 20%, acompanhando o ouro, mas também a valorização do índice tecnológico Nasdaq. O BTC muitas vezes comporta-se de forma semelhante à cotação de uma empresa ou ativo tecnológico, devido à sua natureza digital e ao perfil dos investidores que o adotam.

Além disso, o BTC é cada vez mais utilizado como moeda em países que “não têm moeda”, onde as moedas locais são vistas como pouco confiáveis e perdem anualmente a maior parte do seu valor. Nas economias avançadas, parece estar mais associado à especulação, ou seja, é adquirido com o intuito de vender mais caro, uma das principais definições de ativo especulativo, tal como o ouro. No entanto, mesmo em países desenvolvidos, o BTC tem sido cada vez mais adotado em pagamentos mais confidenciais e discretos, à medida que o uso de moeda em papel diminui.

O valor de mercado do ouro é de cerca de 17,5 biliões de dólares, representando cerca de 17,5% do PIB mundial, um valor só superado pelos 18% alcançados em 1980, enquanto o do BTC aproxima-se dos 2 biliões de dólares. São dois ativos que competem como reservas de valor e reagem de forma semelhante à política monetária, mas no que toca ao risco percebido, há aqui talvez uma das poucas diferenças: o ouro é um ativo risk-off, mais sensível à valorização do dólar, enquanto o BTC é um ativo mais risk-on, mais influenciado pelo desempenho das empresas tecnológicas.

A queda do ouro desde a eleição de Trump faz sentido. Com o controlo da Casa Branca e do Congresso, os republicanos têm margem para cortar impostos, aumentar os défices orçamentais, subir as tarifas de importação e reduzir a burocracia interna. Essa agenda favorece o crescimento económico e impulsiona a inflação. Desde a eleição, as expectativas de cortes nas taxas de juro pela Fed diminuíram significativamente, prevendo-se apenas mais um corte em dezembro e dois cortes adicionais em 2025, o que colocaria as Fed Funds Rate entre 3,75% e 4% no final do próximo ano. Ou seja, uma política monetária mais restritiva do que a esperada há 15 dias, combinada com uma política fiscal mais expansionista, contribui para a subida das taxas de juro e do dólar, pressionando o ouro. O Dollar Index valorizou 4% na última semana, justificando parte da queda do ouro.

O ouro tende a ter um desempenho mais fraco em cenários de inflação moderada impulsionada pelo crescimento económico, mas serve como uma boa proteção (hedge) em contextos de inflação elevada, algo que poderia ocorrer caso Trump consiga pressionar Powell a reduzir mais as taxas de juro. Contudo, quando questionado sobre uma eventual demissão, Powell afirmou que não pretende sair do cargo, indicando que está disposto a defender a independência da Fed. Além disso, legalmente Trump não pode demitir Powell sem justa causa, o que indica que Powell deve permanecer até ao fim do mandato, em maio de 2026.

Enquanto o ouro desvaloriza, o BTC regista máximos históricos consecutivos. Há dois fatores cruciais que podem estar a impulsionar ainda mais o BTC, além do seu pendor risk-on. Um ambiente regulatório mais favorável ao mercado de criptomoedas e a possibilidade de criação de uma reserva estratégica de Bitcoin, proposta há algum tempo pela senadora republicana Cynthia Lummis. Contudo, este último argumento parece menos provável, uma vez que os EUA controlam a moeda mais forte do mundo, sendo mais fácil e barato emitir dólares em tempos de crise. Corroborando esta ideia, estão os elevados fluxos para ETFs de Bitcoin desde a eleição de Trump, refletindo a expectativa de adoção de políticas mais favoráveis à criptomoeda, especialmente num contexto em que o novo presidente eleito é visto como pró-cripto.

 

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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