A política portuguesa é uma sociedade líquida de irresponsabilidade ilimitada onde flutuam ideias soltas à superfície até se afundarem vencidas pelo peso do oportunismo.

Agora é o referendo à imigração do Chega. Depois é a indignação do CDS com “as pessoas que menstruam”. Junte-se as dúvidas do CDS sobre a eutanásia. Não esquecer o PS que aprova o orçamento sem negociações ou chumba o orçamento sem negociações ou aprova o orçamento com negociações ou chumba o orçamento com negociações. O Governo aos costumes diz que sim e mais que não e reserva-se para as negociações. As negociações são um dispositivo político para adiar decisões, comprometer oposições, alimentar o país com ilusões. Em bom rigor, ninguém está interessado em negociações. A política portuguesa é uma sociedade líquida de irresponsabilidade ilimitada onde flutuam ideias soltas à superfície até se afundarem vencidas pelo peso do oportunismo. Entretanto o governo sobrevive com um empréstimo a prazo.

O referendo do Chega sobre a imigração é um acto de desespero político. O partido não tem uma ideia, uma política, uma proposta, a não ser a promoção do caos e da confusão para espanto dos parceiros e desgosto dos portugueses. Mas esquecido dos portugueses depois das eleições europeias, o Chega tenta todas as manobras em todas as direcções para captar a atenção da política nacional. O partido que pretende acabar com o regime democrático não se assume como revolucionário nem como fascista. É o partido dos puros, o partido dos incorruptíveis, o partido de Portugal.

O partido que diz que liquidou o bipartidarismo em Portugal é uma espécie de terceiro excluído com propostas delirantes e esdrúxulas. Ventura parece o comediante que perdeu a graça, se alguma a vez a teve. Nem os fatos novos e as gravatas burguesas ajudam o partido da revolução, o partido da regeneração, o partido do futuro. Aliás é o futuro do partido que está em causa. Com uma maioria de 50 deputados, o Chega funciona como uma força de bloqueio e domina a minoria vocal dos apartes parlamentares. Uma força de bloqueio a si mesmo e que recebe do PSD a indiferença sonsa de quem não quer ficar refém de um partido que é refém de um Ventura.

O CDS que é membro da AD e apoiante do governo descobre, nos intervalos da importância, que o executivo está dominado por uma cultura woke e é defensor de uma cultura da morte via eutanásia. Entre as pessoas que menstruam e as pessoas que não querem simplesmente continuar neste mundo, o CDS recupera uma agenda em que as causas fracturantes e de costumes tomam um lugar predominante e único. Na ausência de uma linha política programática, o CDS é o velho CDS que recupera as guerras culturais e resume o seu discurso a esses momentos de confronto e de conformidade conservadora. O que falta verdadeiramente é uma consciência política consistente e de matriz conservadora em versão pós-moderna. O CDS tem de se reinventar para poder contribuir para a reinvenção da direita em Portugal. Não adianta estar a inventar causas fracturantes que começam por fracturar a própria coligação da AD. Se dúvidas políticas existem sobre as posições do governo, o CDS tem todos os meios para resolver discretamente as divergências de orientação sem recorrer às proclamações públicas que só geram polémica e desconfiança. Mais do que posicionamentos políticos ou dissonâncias verbais, o CDS pretende fazer uma prova pública de vida política. E a polémica é uma arma que nunca falha no curto prazo e que sempre se paga no longo prazo.

Depois vem o drama do PS e do orçamento. O PS é hoje uma espargata ideológica. Esta extensão política tanto pode ser excesso na liderança como ausência de liderança. O PS assume-se como consciência moral e política da nação. Feliz o país que pode dizer que tem duas consciências morais e políticas. O PS à esquerda que se julga exclusivo e patriótico. O Chega à direita que se sente exclusivo e patriótico. Esta consciência moral e patriótica é apenas o cenário político para o cálculo de interesses associado à equação do orçamento que rima com eleições antecipadas. Ninguém quer eleições antecipadas, mas todos querem o benefício da estabilidade se estiverem no governo. O drama do PS e do orçamento é não estar no governo. O voluntarismo do PS no tom estridente do líder é como um grito numa sala às escuras. É ruído sem política para intimidar o governo.

Sobra a questão mais actual da política portuguesa – qual a identidade política do PS? Mais socialista do que se pensa. Menos liberal do que se afirma. Sempre democrata se estiver no poder. Talvez mais conservador do que se pensa. Sempre patriótico se for conveniente. Europeísta pelo passado e pelo futuro. Naturalmente autoritário ou não fosse o fundador do regime. Talvez primeiro-ministro por vocação. Com esta confluência paradoxal de tendências políticas contrárias, o drama do orçamento é o drama dessa nova identidade partidária em direcção ao poder.

O PS votará tudo e o seu contrário só para não ficar a meio caminho entre a oposição e o poder. Para o PS, o dilema do orçamento é o dilema do poder.

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