China SA, China 5G (Parte III)
A globalização e a adesão à OMC transformaram a China no maior pretendente à liderança económica global. E Portugal quer aproveitar.
Numa espécie de regresso ao futuro, One Belt, One Road é o novo lema de Pequim. Com a Faixa e Rota, a China quer ocupar o lugar do qual nunca deveria ter abdicado no Mundo. E que só abriu mão porque perfilhou a ideia de que nada teria a aprender com o exterior. Os tempos mudaram. A globalização e a adesão à OMC transformaram a China no maior pretendente à liderança económica global. E Portugal quer aproveitar.
- O Império do Meio era isso mesmo: um reino entre a Terra e o Céu, a pairar sobre todos os outros. Para evitar contaminações fechou-se em si mesmo – sob ordem do imperador – entre uma impressionante muralha e uma proibição das expedições marítimas. Muitos séculos depois, a China quer abraçar definitivamente o mundo, estabelecer os caminhos que lhe permitam fazer chegar as suas mercadorias, de forma rápida e a custo reduzido, a todos os mercados.
- Uma Faixa e uma Rota representa um investimento de biliões de euros em projetos estruturantes que vão desde grandes autoestradas a caminhos de ferro, passando por portos e aeroportos. Ligam a Ásia à Europa, conectam a China numa moderna Rota da Seda, mas com uma nuance importante: é definida pelos chineses, financiada por Pequim e controlada pelo Estado. Dois exemplos desta disciplinada e estratégica ambição: uma linha de caminho de ferro capaz de ligar Pequim a Singapura vai arrancar em breve. São 6500 quilómetros de soberba e dispendiosa engenharia. Se o capital é chinês, o direito futuro também: o Sri-Lanka não conseguiu pagar um porto financiado no âmbito da Belt and Road Initiave. Problema? Não, de todo. A China fica com uma concessão territorial durante 99 anos, usando em absoluta soberania a obra que pagou!
- É claro que toda esta teia em que a China envolve a Eurásia, debruçando-se simultaneamente sobre África e espraiando o olhar para a América Latina, levanta as maiores desconfianças de Estados Unidos, Reino Unido e até da Alemanha. Portugal é, nesse aspeto, uma espécie de Cavalo de Tróia da guarda avançada imperial com vantagens óbvias futuras: a China já é o maior consumidor do mundo de produtos de luxo, com uma avidez única para produtos caros e distintos, onde a economia portuguesa pode fazer a diferença, não pela escala, naturalmente, mas pela singularidade, pela diferenciação e sofisticação. Aceder ao maior mercado do mundo é algo que Portugal não deve passar ao lado. Até porque a balança comercial é desfavorável.
- Pela sua história, pelo seu passado de boas relações entre Lisboa e Pequim, Portugal pode assumir um papel privilegiado nesse novo desígnio da China. E há um enorme espaço para crescer. O capital chinês é o oitavo em valor acumulado – embora domine setores estratégicos como a energia e prepare um assalto às telecomunicações. Depois, Portugal tem uma posição geoestratégica invejável: a meio caminho entre a Europa e o continente americano. Sines é o primeiro porto de águas profundas quando se chega do Panamá. Uma encruzilhada única entre a Ásia, Europa e África. Colocar Portugal numa lógica de hub marítimo, mas também aéreo, será vital para essa peça instrumental e decisiva no contexto da ligação da China ao mundo. Com a vantagem do português e a ligação aos países da CPLP.
- Mesmo para o maior motor da economia mundial, todas as parcerias contam e fazem a diferença. Os tempos já foram de maior fulgor: a China cresceu 6,4 por cento no primeiro trimestre – o valor mais baixo da década e desde a eclosão da crise financeira. Os receios de uma guerra comercial mais dura com os Estados Unidos e a incapacidade de regenerar a natureza do seu capitalismo têm afastado investidores e reprimido a dinâmica económica. A ambição é recuperar taxas de crescimento de dois dígitos, com o governo a cortar nos impostos das empresas e a exigir aos bancos mais crédito para os pequenos negócios. É uma China efervescente a que encontramos no terreno, mas com angústias e fraquezas futuras.
- Ser rico ultrapassa largamente as ambições de liberdade ou respeito pelos direitos humanos, num país onde o coletivo supera a individualidade. Para a China, a questão é simples: o todo é muito mais importante que a soma das partes. Se no Ocidente lhes exigem o respeito pelos direitos humanos, pedem reciprocidade: que lhes seja reconhecido também o mérito de terem resgatado da pobreza centenas de milhões de trabalhadores. Só há dignidade humana quando existe dignidade económica, clamam!
Em xeque estará – para sempre e ainda assim – a própria natureza do capitalismo chinês, essa osmose entre Estado e empresas privadas, entre produtividade e ausência de direitos sociais ou ambientais. Uma aliança capaz de envergonhar Marx ou Mao Zedong.
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