Com um Governo assim quem precisa de Pai Natal?
Cá nos vamos arrastando, nesta economia “zombie” em que nos tornámos exímios. Subsidia-se hoje para cortar amanhã, quando o Estado voltar a estar na falência iminente.
Terça-feira
Tome nota, caro contribuinte. Daqui por uns anos será muito provavelmente chamado a pagar uma parte importante dos quase 300 milhões de euros que os chamados “lesados do BES” vão receber das aplicações financeiras perdidas no Grupo Espírito Santo.
Em dois passos, o “esquema” funciona assim:
- vai ser feito um empréstimo à banca para pagar a estes ex-clientes do BES para o qual o Estado vai dar uma garantia;
- daqui por uns anos, não havendo dinheiro na massa falida do GES/BES que chegue para estes lesados, é o Estado que assume a factura ou parte dela.
Como estes credores não são, perante a lei, dos mais privilegiados na corrida ao que possa restar dos escombros do grupo, é fácil perceber a elevada probabilidade de virem a ser os contribuintes a pagar aos “lesados do BES”. Portanto, todos os contribuintes passaram também a ser ainda mais lesados do BES. Claro que era necessário encontrar uma solução para estes e outros “lesados”. Depois de estudado o problema e apuradas eventuais responsabilidades e falhas de supervisores, auditores e gestores podíamos estar perante várias saídas.
Uma delas era concluir que os produtos financeiros foram vendidos respeitando as regras de prestação de informação e alerta de perdas potenciais e que, por isso, estes “lesados” investiram por sua conta e risco, como acontece com a generalidade das aplicações financeiras. E que, tendo arriscado, perderam o seu investimento.
O mesmo aconteceu, por exemplo, aos accionistas – pequenos e grandes – do BES, que tudo perderam sem que se coloque a questão de serem ressarcidos por isso. Faz parte das regras: quando se investe em produtos de risco pode perder-se esse investimento.
Outra possibilidade era apurar que houve responsabilidades do Estado por falha da supervisão. E aí sim, o Estado devia ser condenado e obrigado a indemnizar os prejudicados. E, obviamente, deviam ser tiradas todas as consequências para os decisores dos órgãos de supervisão que tivessem falhado nas suas obrigações de impedir que aqueles produtos financeiros fossem vendidos daquela forma.
Mas, à boa maneira portuguesa, tudo isto se faz com esta informalidade, sem cuidar da imagem das instituições, sem qualquer respeito pelo dinheiro dos contribuintes, sem o mínimo de exigência ou transparência.
Porque iremos todos ser chamados a pagar aplicações financeiras a clientes que lá tinham centenas de milhares de euros à procura de uma melhor remuneração? Os “lesados” foram todos igualmente “enganados”? Ou alguns foram tão “enganados” como a PT com os seus quase 900 milhões perdidos no grupo GES? Como assume o Estado uma responsabilidade pelo pagamento sem que estejam apuradas responsabilidades legais, civis ou criminais? E os accionistas que compraram acções confiando na supervisão da CMVM e do Banco de Portugal?
Claro que o papel de Pai Natal assumido por António Costa dispensa todos estes aborrecimentos. Há grupos que vão para a rua protestar? É popular resolver-lhes o problema particular? Então saca-se do livro de cheques, envia-se a factura para os contribuintes e brinda-se à saúde. Se o Pai Natal fica com a fama de benemérito à custa da carteira dos pais das criancinhas porque não há-de o primeiro-ministro fazer o mesmo à custa da carteira dos contribuintes?
Quinta-feira
É uma semana intensa para o Governo travestido de Pai Natal. Desta vez o trenó e as renas estacionaram à porta da Concertação Social. O salário mínimo aumenta para satisfazer as pretensões mínimas das centrais sindicais. Mas uma parte desse aumento não será pago pelas empresas empregadoras, satisfazendo as exigências das entidades patronais. Milagre? Pense melhor e responda a esta pergunta para queijinho, daquelas muito fáceis: quem paga a diferença? O contribuinte, claro. Podia ser mais alguém?
O salário mínimo aumenta 22 euros, passando de 535 para 557 euros. Mas a Taxa Social Única aplicada a estes salários vai baixar 1,25 pontos percentuais. Ou seja, as empresas deixam de entregar à Segurança Social quase sete euros de descontos. E assim temos cerca de um terço deste aumento a ser suportado pelo Estado, que vai subsidiar essa fatia às empresas. Com isto, o governo admite que o aumento do salário mínimo não é suportável por muitas empresas. E assim teremos um subsídio transversal, dado tanto às que lutam para pagar estes salários baixíssimos como também às lucrativas que até podiam pagar mais.
Este sistema tem outra perversidade: é um convite à fixação de cada vez mais trabalhadores no patamar do salário mínimo, para que se possa aproveitar o desconto na TSU.
É verdade que o salário mínimo está em níveis baixíssimos e que os encargos das entidades patronais preferencialmente deviam ser mais baixos. Mas subsidiar salários privados através do Orçamento do Estado é enganar-nos a todos. A subsidiação desincentiva que o aumento dos salários seja feito de forma sustentável: através de mudanças na gestão com ganhos de produtividade que permitam pagar ordenados sucessivamente mais elevados.
E cá nos vamos arrastando, nesta economia “zombie” em que nos tornámos exímios. Subsidia-se hoje para cortar amanhã, quando o Estado voltar a estar na falência iminente.
Persistimos nos mesmos erros do passado que nos trouxeram até aqui. Lembram-se quando, há duas décadas, António Guterres decidiu subsidiar os preços dos combustíveis através do Orçamento do Estado para calar protestos de ocasião e satisfazer consumidores? São os mesmos que hoje pagam impostos sobre produtos petrolíferos muito mais caros, porque a bancarota assim o exigiu.
Nada do que é insustentável se prolonga eternamente no tempo, mas teimamos em não perceber o óbvio.
Sexta-feira
Para quem considera que um objectivo prioritário da governação é ter contas equilibradas, como é o meu caso, a execução orçamental – atenção, não confundir com política orçamental – deste ano foi o melhor deste governo.
Os números do INE confirmam que o défice público foi de 2,5% nos três primeiros meses, já alinhado com o objectivo ficado para o final do ano.
É uma boa notícia para o país, ainda que conseguida precisamente da forma que os partidos que suportam este governo tanto criticaram nos últimos anos: cortes de emergência na despesa do Estado, em áreas como a Saúde ou a Educação, e, como revela o INE, com um enorme corte no investimento do Estado: 28,4%.
Que o consigam é óptimo. Que o façam contra tudo o que sempre apregoaram é uma questão que os próprios têm que resolver com as suas consciências. Que tenham, finalmente, chegado à conclusão que as boas contas não querem dizer que se está a matar o Estado é uma evolução que se saúda.
Se tudo isto é ou não sustentável é uma história diferente. Depende no grau de crença de cada um na existência do Pai Natal.
Boas Festas para todos.
PS. No artigo da semana passada, interpretei que as declarações do ministro da Vieira da Silva em entrevista à Antena Um mostravam que defendia que as discussões sobre a reestruturação da dívida não deviam ficar à espera das eleições alemãs, ao contrário do primeiro-ministro. O Gabinete do ministro esclareceu que assim não é, e que Vieira da Silva não tem uma opinião diferente da de António Costa. Fica feito o esclarecimento.
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