Confusão sanitária
Faz sentido, no meio de uma pandemia, esta recusa ideológica e absurda de aceitar a cooperação com o setor privado ou tão pouco com o setor social e solidário e toda a sua capacidade instalada?
Vivemos esta quadra natalícia da mesma forma em que temos vivido o último ano. Com medo, com receio, limitados no gesto do abraço tão típico e natural desta época e que tanta falta nos faz. As máscaras continuam a esconder o nosso sorriso (e a nossa tristeza) e continuamos sem saber muito bem o que esperar dos próximos meses. As notícias permanecem pesadas, mas o início da vacinação da Covid-19 dá-nos fôlego e esperança para o arranque de 2021. Lamentavelmente, em matéria de saúde, o comportamento errático do Governo ao longo deste ano, os anúncios, as sucessivas falhas na gestão da pandemia, os enganos na vacinação da gripe, a abominação à cooperação com o setor privado e social, custam dinheiro, e pior, custam vidas aos portugueses.
O Governo habituou-nos a viver, literalmente, na confusão. É certo que gerir uma crise da magnitude de uma pandemia está longe de ser tarefa simples. Mas depois de tantos meses não é aceitável continuar a empreender nos mesmos erros, ou pior, a colocar a propaganda à frente da transparência. Até hoje poucos serão os portugueses que percebem cristalinamente todas as regras em vigor, como e quando podem ou não circular entre concelhos, os horários do recolher obrigatório, o funcionamento da restauração e do comércio, os encontros familiares.
Numa altura em que precisamos de clareza, as conferências de imprensa da Direção-Geral de Saúde, do primeiro-ministro (por vezes em horas duvidosas) geram dúvidas, desmentidos e incredulidade. Recentemente, um despacho [1] do Governo obrigou a que “os cidadãos nacionais e os cidadãos estrangeiros com residência legal em território nacional, e seus familiares, bem como o pessoal diplomático colocado em Portugal” que embarquem do Reino Unido para Portugal tenham um teste à Covid-19 negativo com pelo menos 72 horas de antecedência”. Mais, qualquer companhia aérea que transporte passageiros sem esse teste incorre numa multa.
O Governo achou que podia, de um dia para o outro, mudar os critérios de acesso ao território português, sem dar tempo suficiente de adaptação aos novos requisitos aos emigrantes portugueses e às companhias aéreas, gerando uma onda de incerteza, levando a que famílias portuguesas não embarcassem, perdessem voos ou estivessem horas seguidas dentro de aviões até se esclarecer a súbita diretiva.
Não menor trapalhada foi a do engodo que a ministra Marta Temido lançou aos portugueses e que se mostrou ser uma casca de banana ao Presidente da República sobre a disponibilidade da vacina da gripe [2]. Muitos foram os relatos de quem se quis vacinar contra a gripe a tempo e horas e que o não fez porque não havia vacinas nos centros de saúde ou nas farmácias. Os portugueses têm sido amiúde enganados, ludibriados por este governo, mas nestes dois exemplos ultrapassaram-se todos os limites da desonestidade e da desresponsabilização política, continuamente sem consequências. O Governo vive lançando a responsabilidade dos insucessos em terceiros e puxando para si todo e qualquer louro, e sempre nos píncaros da impunidade e da fuga às responsabilidades.
Este domingo os Estados-Membros da União Europeia colocaram em marcha os seus planos de vacinação, com vacinas garantidas pela Comissão Europeia. Depois de vários países terem já definido a sua estratégia para as vacinas, o Governo acabou por divulgar a sua e uma vez mais com informações que vieram a ser posteriormente corrigidas. Por exemplo, os mais idosos não serem prioritários na vacinação contra a Covid-19, e a fase prioritária de vacinação pode durar até Abril, ou seja, quatro meses para vacinar grupos de risco máximo. Uma comunicação pouco clara, decisões ziguezagueantes, transmitindo uma sensação de um planeamento feito em cima do joelho e um persistente sentimento de desconfiança nos anúncios governamentais.
No meio deste ano caótico, coordenação e resiliência são talvez as palavras-chave para algum sucesso na gestão desta pandemia. Palavras que ficam sempre bem em dizer e repetir, mas completamente marginalizadas na prática, no dia-a-dia. Apenas por motivações políticas e ideológicas, e retirando as pessoas do centro da decisão política, o Governo desconsiderou sempre (!) coordenar o serviço nacional de saúde, articulando os setores privado, social e público.
Nestes últimos 10 meses houve um adiamento geral dos cuidados primários, consultas, tratamentos, diagnósticos e tratamentos. Os centros de saúde registarem menos nove milhões de consultas presenciais até outubro, revela a total incapacidade de implementação dos cuidados de saúde primários em regime de teleconsulta, já há muito tempo devidamente implementado pelo setor privado.
A pergunta que se coloca é, porquê? Faz sentido, no meio de uma pandemia, esta recusa ideológica e absurda, contrária à visão dos últimos ministros da saúde de governos sociais-democratas ou socialistas, de aceitar a cooperação com o setor privado ou tão pouco com o setor social e solidário e toda a sua capacidade instalada? Estas escolhas políticas serão responsáveis por elevados custos de morbidade, e mortalidade, no médio e longo-prazo.
[1] https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/151662963/details/normal?sort=whenSearchable&sortOrder=DESC&q=reino+unido+voos
[2] https://sicnoticias.pt/pais/2020-12-21-Vacina-da-gripe.-Marcelo-reconhece-que-portugueses-foram-enganados-
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