Consumir criticamente as notícias
Os portugueses continuam a ser dos que menos pagam por notícias, embora mantenham altos índices de confiança nos títulos que consomem.
O Reuters News Report é o mais abrangente estudo sobre consumo digital de notícias e, como tal, oferece um panorama do estado dos média nos 38 países analisados. No relatório deste ano, acabado de sair, há três notas a destacar que impactam o negócio das notícias – e que têm implicações sérias para a saúde das democracias.
O primeiro ponto a merecer destaque é a mudança de comportamentos de utilizadores em termos de redes sociais. É verdade que há uma tendência para alguns utilizadores em mercados desenvolvidos estarem mais atentos à origem das notícias, com o consequente ceticismo face às notícias nas redes sociais e também uma redução do tempo passado no Facebook. Ao mesmo tempo, há o crescimento das partilhas de notícias em grupos fechados, com o WhatsApp e o Messenger em destaque. Isto é preocupante porque aumenta a polarização dos leitores em grupos fechados que apenas partilham notícias que estão de acordo com a sua mundividência – e dificulta a manutenção de um espaço público comum a uma maioria de pessoas. No Brasil, a utilização do WhatsApp para notícias vai em 53% e na África do Sul em 50%.
Também é fundamental destacar, no segundo ponto, a relativa insatisfação dos consumidores de notícias com os seus títulos: embora a maioria (62%) afirme que os média são bons a manter os utilizadores atualizados, apenas 51% concorda que os média fazem um bom trabalho a explicar o que se passa e só 42% acredita que os média fazem o devido escrutínio aos poderosos. E 39% dos consumidores acha que os média são demasiado negativos – número que em Portugal sobe para 49%.
Mais preocupante ainda é a crescente desconfiança sobre a notícias no geral: apenas 42% confiam nas notícias, embora em Portugal esse valor se mantenha nos 58%. E no caso português é interessante notar que a RTP é a marca mais confiável, enquanto o Correio da Manhã é a menos confiável – o que não impede que seja a mais consumida.
Diretamente relacionado com o aspeto anterior está o terceiro e último ponto, que deve preocupar quem se interessa pelos média: há uma declarada falta de vontade para pagar por notícias. Aqui também há vários aspetos a destacar, começando pelo facto de a percentagem de pagantes ser muito maior nos países nórdicos (34% na Noruega e 27% na Suécia) em comparação com os países do sul da Europa (10% em Espanha, 9% em Itália, 7% em Portugal e na Grécia).
Outro aspeto importante é que a maioria dos que paga apenas o faz para um meio, sendo uma minoria os que assinam mais do que um. Neste cenário é mais fácil aos gigantes transnacionais da indústria (New York Times, Financial Times, etc) conseguir uma maioria de assinantes, deixando em dificuldade os títulos de menores mercados com línguas minoritárias.
Tudo isto tem consequências na qualidade da democracia. Se a maioria dos órgãos de comunicação social de qualidade fica escondida atrás de paywalls, só quem tem dinheiro e interesse por notícias terá acesso a eles – contribuindo para a desinformação da maioria dos cidadãos. Se os cidadãos não estão devidamente informados não podem tomar decisões de qualidade, baixando a qualidade do espaço comum. E naturalmente que meios de comunicação com prejuízos constante não podem fornecer um produto de qualidade. Por outro lado, a circulação de notícias em grupos fechados continua a erosão do espaço público iniciado com as redes sociais e cria novos problema à verificação.
Ler mais: O Digital News Report tem sido de forma consistente um barómetro da relação dos cidadãos com a informação e por isso se recomenda a leitura atenta, que tem muitos pontos de interesse para lá dos destacados acima. A secção portuguesa é produzida pelo ISCTE e deverá ser integralmente divulgado em setembro.
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