Dominação Fiscal Verde
Uma dominação fiscal restrita a despesas “verdes” poderá ser uma forma dos bancos centrais ajudarem com a transição climática.
A interação entre política fiscal e monetária é um dos pilares da política económica. Esta interação tem influência tanto na estabilidade económica no curto prazo como no crescimento no longo prazo. Há uma tensão inerente entre a política fiscal e a política monetária. Podemos pensar em dois equilíbrios mais ou menos estáveis, em que uma política domina a outra. De forma simplificada, na dominação fiscal, o banco central acomoda défices orçamentais elevados. Na dominação monetária, a autoridade fiscal compromete-se com a sustentabilidade da dívida pública. No entanto, a cooperação em cada um destes equilíbrios não é garantida e conflitos entre políticas fiscal e monetária podem destabilizar a economia.
Em grande parte das economias modernas atualmente assistimos a uma situação de dominação monetária. Este paradigma tem sido implementado através de bancos centrais independentes do poder político, com um objectivo primário de controlo da inflação. Ainda assim, nos últimos anos temos assistido a alguns desvios deste domínio, por exemplo com políticas governamentais de apoio à despesa em energia e alimentos. Aliás, não é surpreendente que Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), sugira frequentemente que os governos deveriam eliminar estes subsídios.
Porque é que os bancos centrais temem tanto o domínio fiscal? Numa situação de dominação fiscal, o banco central pode ter de comprar dívida do estado para financiar défices governamentais ou manter as taxas de juro relativamente baixas e assim evitar que os custos de financiamento do estado subam muito. Isto pode incentivar os governos a gastos excessivos e mais focados no curto prazo, por exemplo, por razões eleitorais. Eventualmente, esta situação pode levar a um aumento da inflação na economia e um abrandamento económico, e a um falhanço dos objetivos do banco central.
No entanto, é possível que a dominação fiscal seja por vezes útil e até tolerada pelos bancos centrais. Um exemplo a considerar é no combate às mudanças climáticas, ou seja, uma “dominação fiscal verde”. Os bancos centrais têm estado sob pressão para intervir nos mercados de forma a satisfazer objetivos relacionados com as alterações climáticas. Esta intervenção é inconsistente com um dos princípios de política monetária do BCE, o princípio de neutralidade de mercado. A ideia é que a atividade do banco central minimize os efeitos distorcionários. Uma forma de o fazer é comprar ou vender “o mercado”, sem escolher ativos de países ou empresas, mas comprando todos os ativos elegíveis na proporção do seu tamanho.
Infelizmente, isto só faz sentido se o mercado for eficiente do ponto de vista social, o que não é provável que aconteça num mundo com externalidades ambientais. Por exemplo, empresas mais poluentes tendem a ser mais antigas e maiores, com ratings de crédito superiores, e por isso mais prováveis de serem “elegíveis” de acordo com os critérios do banco central. Podemos pedir aos bancos centrais para se desviarem desta neutralidade de mercado, mas não é claro que desvio devem tomar. Por agora, medir o benefício social de cada atividade ou ativo financeiro não se trata apenas de uma questão técnica, faltam teoria e dados, e por isso essa decisão seria mais determinada por questões políticas. Sem um mandato democrático, não é claro que deva ser um banco central independente a tomar estas decisões.
Uma alternativa então é serem os governos a determinar os subsídios e investimentos com benefícios sociais, mas suportados indiretamente pelo banco central. Os bancos centrais poderiam focar as suas compras de ativos em dívidas públicas emitidas para financiar estas despesas (dívidas “verdes”), assim apoiando as políticas fiscais ambientais sem comprometer sua autonomia ou o mandato principal. Esta é uma abordagem que tem o potencial de balançar as necessidades da transição climática sem prejudicar (muito) a independência e a eficácia das políticas monetárias. Inclusivamente, a revisão recente da estratégia do BCE reforçou a realização dos seus objetivos secundários, por exemplo, a transição energética da União Europeia, desde que o objetivo primário da estabilidade de preços seja alcançado.
Como escrevi no texto “Dívida Green”, não é óbvio que os governos consigam fazer os investimentos necessários para a transição climática. As dívidas verdes estão sujeitas a “greenwashing” e outras fraudes. Mas uma dominação fiscal restrita a despesas “verdes” poderá ser uma forma dos bancos centrais ajudarem com a transição climática.
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