Em defesa da descida do IRC
Enquanto não estiverem assegurados níveis mínimos de competitividade fiscal do nosso país, parece preferível acumular a descida do IRC à atribuição de benefícios fiscais direcionados.
A descida do IRC é um tema na agenda política deste ano e, atendendo à intenção de fazer uma descida gradual (ano a ano), provavelmente sê-lo-á também nos próximos anos do mandato deste governo. É um tema que deveria ser pacífico entre pensadores moderados, no contexto atual português. Surpreendentemente, há ainda muitos opositores à descida deste imposto, mesmo no campo dos moderados. Contudo, muitas vezes a sua posição parece assentar em raciocínios algo falaciosos.
Começando por factos, de acordo com dados da Tax Foundation, Portugal tem a segunda taxa estatutária de IRC mais alta de entre 32 países Europeus da OCDE e da União Europeia [1]. Quando olhamos para a análise de competitividade fiscal internacional elaborada pela mesma fundação em 2023, vemos que Portugal fica em 34º lugar de 38 países da OCDE em termos de competitividade fiscal geral e em penúltimo lugar (37.º) quando nos focamos em particular no corporate tax rank [2]. Dados do Instituto Mais Liberdade mostram que os oito países da União Europeia cujas economias alcançaram a economia portuguesa (em termos de PIB per capita) desde os anos 2000 têm todos taxas efetivas de IRC mais baixas do que Portugal [3].
Um dos grandes argumentos apresentados contra a medida anunciada não é estranho ao debate sobre a descida da carga fiscal: o impacto nas contas públicas por oposição ao benefício que acarreta para a economia.
Um recente (e famoso) estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos intitulado “O impacto do IRC na Economia Portuguesa” [4] ajuda a responder a esta questão: projeta-se que a descida do IRC resulte num aumento significativo do PIB (1,44% no curto prazo, após 2 anos, e 1,40% no longo prazo, após 10 anos) e, portanto, é de antever que o impacto da descida das taxas de IRC nas receitas do Estado será pelo menos em parte compensado pelo impacto que esse crescimento económico terá na receita de outros impostos (como o IVA ou o IRS) e, até, do próprio IRC.
Adicionalmente importa recordar que a economia portuguesa está inserida num contexto altamente globalizado e num mercado único: a competitividade fiscal (diga-se, a criação de um quadro tributário atrativo dentro das balizas orientadoras da UE e da OCDE) é um fator determinante para o PIB e, tal como demonstra o estudo referido, a baixa competitividade tem tido um impacto negativo na economia portuguesa.
Só quem nunca contactou com o mundo empresarial real pode achar que a descida do IRC não tem impacto na capacidade de as empresas portuguesas atraírem investimento externo. E isto quer sejam PMEs, start-ups ou grandes empresas.
A competitividade fiscal importa, sempre e muito.
Uma das falácias que se ouve em Portugal quando se discute a descida do IRC é a de que esta descida apenas beneficiaria as grandes empresas e os grandes grupos multinacionais e não as PMEs, que constituem larga maioria do tecido empresarial português e que tão importantes são na nossa economia. Nesta linha de argumentação, refere-se que as grandes empresas são responsáveis por uma fatia muito significativa da receita de IRC (as 0.2% maiores empresas serão responsáveis por mais de 10% dessa receita).
Este argumento demonstra alguma incompreensão sobre o funcionamento das taxas de imposto ou um certo desrespeito pelo esforço fiscal a que estas percentagens dizem respeito.
Por um lado, é evidente para todos que as descidas das taxas de IRC beneficiam todas as empresas, uma vez que o IRC se aplica a qualquer empresa que tenha lucro (exceto casos excecionais, como os das sociedades que se encontram sujeitas a regime de transparência fiscal), e não apenas às grandes empresas.
Dados recentes da Autoridade Tributária demonstram, aliás, que, em 2021, 59,4% das declarações de IRC apresentadas resultavam em pagamento deste imposto, correspondendo a um total de mais de 320 mil contribuintes de IRC[5]. Querem-nos fazer crer que estas 320 mil empresas são todas grandes empresas? Os mesmos dados dizem-nos que 87% dessas 320 mil empresas que pagam IRC têm volumes de negócios inferiores a 500 mil euros. Será que lhes é indiferente a diminuição da respetiva carga fiscal?
Acresce que o regime de taxa reduzida de 17% já existente…
- (i) apenas se aplica aos primeiros 50 mil euros de lucro e não a todo o lucro das PMEs, como às vezes alguns intervenientes políticos dão a entender;
- (ii) nos moldes em que a descida do IRC está atualmente a ser discutida, esta taxa reduzida também seria diminuída.
Os argumentos baseados no peso que as grandes empresas têm na receita de IRC por oposição ao peso que têm as PMEs centram-se no lado errado da questão: ignoram o peso que o IRC tem na atividade e na capacidade de crescer das PMEs. A dimensão da receita fiscal de IRC proveniente das grandes empresas não torna irrelevante o esforço fiscal das PMEs – esse esforço é, proporcionalmente à sua dimensão, muito significativo.
Acresce que esta crítica é muitas vezes formulada em termos como “a descida só vai ajudar a banca, as energéticas e o grande retalho”, pelo que se comete o erro adicional de presumir que as grandes empresas beneficiadas seriam apenas as que já existem em Portugal, ignorando que este tipo de medida poderia não só atrair grandes empresas estrangeiras para Portugal, como facilitar que empresas médias portuguesas dessem um salto de dimensão.
Um outro erro de raciocínio que está implícito neste tipo de crítica é o de que uma medida que abrangesse e fosse positiva para as grandes empresas não seria boa para o país. É uma linha de raciocínio que leva à (estranha) ideia de que as grandes empresas teriam de ficar excluídas de qualquer medida de incentivo ao crescimento. Ora, há dados que demonstram que as grandes empresas são as que pagam melhores salários, investem mais em I&D e têm mais produtividade [6]. São também as que tendem a estar em melhores condições de competir com empresas estrangeiras. Portugal precisa de ter mais (e mais robustas) grandes empresas, não menos.
Paralelamente, esta opção de política fiscal é criticada por apenas beneficiar os “empresários”, os “patrões, os “capitalistas”, e não os trabalhadores.
A lógica contraria por completo esta linha de raciocínio, uma vez que são as empresas que pagam salários, pelo que medidas que beneficiem o crescimento e a saúde financeira das empresas, bem como a atração de investimento estrangeiro para o nosso tecido empresarial, tenderão a ter um impacto positivo nas remunerações dos trabalhadores.
É, aliás, esta uma das conclusões do referido estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos[7]. Este estudo prevê que uma descida do IRC levaria a um aumento dos salários e estima que esse aumento, no longo prazo, seria até em percentagem superior à percentagem de crescimento do PIB causado por esta medida. Citando-o: “este último resultado sinaliza, em direção contrária ao senso comum, que as elevadas taxas do IRC incidem economicamente de forma relevante sobre os trabalhadores”.
Não se pretendendo aqui fazer uma discussão académica, note-se que estudos internacionais anteriores já tinham chegado a este tipo de conclusão. Veja-se, por exemplo, os estudos International Burdens of the Corporate Income Tax (2006), de William C. Randolph [8], e Taxes and Wages (2006), de Kevin A. Hassett e Aparna Mathur[9], que concluem que um aumento dos impostos sobre o rendimento das empresas resulta numa diminuição dos salários dos trabalhadores, demonstrando que os impostos sobre o rendimento das empresas são, em parte significativa, suportados pelos trabalhadores.
Paralelamente, é muitas vezes argumentado que seria preferível, por oposição à descida do IRC, apostar na especialização da economia, através da criação de benefícios fiscais direcionados.
Esse caminho embora possa ter os seus méritos em certos casos específicos, se não for percorrido num ambiente que tenha níveis mínimos de competitividade fiscal, dificilmente terá impacto suficiente no crescimento da nossa economia.
Abdicar totalmente da descida do IRC para percorrer essa via pressupõe que o Estado conseguiria antever de modo totalmente preciso todos os setores merecedores de aposta e estruturar essa aposta com a amplitude perfeita (seria o primeiro na história da humanidade a conseguir fazê-lo).
Para além deste caminho apontado como alternativo ser mais limitado no seu alcance, fica refém da nossa elevada e tradicional carga burocrática e administrativa, criando-se uma maior incerteza legal na aplicação, o que acentua a desvantagem na capacidade de atração de investimento estrangeiro face a uma descida geral da taxa de IRC.
Enquanto não estiverem assegurados níveis mínimos de competitividade fiscal do nosso país, parece preferível ver esses dois caminhos como cumulativos e não como alternativos. Se olharmos para este tema de uma perspetiva racional e objetiva, parece difícil não concluir que a descida do IRC é positiva e, mais do que isso, é necessária, urgente e essencial.
[1] https://taxfoundation.org/data/all/eu/corporate-tax-rates-europe-2024/
[2] https://taxfoundation.org/research/all/global/2023-international-tax-competitiveness-index/
[3] https://maisliberdade.pt/maisfactos/carga-fiscal-sobre-as-empresas-e-os-rendimentos-singulares-portugal-e-as-8-economias-da-ue-que-nos-alcancaram/
[4] https://ffms.pt/pt-pt/estudos/estudos/o-impacto-do-irc-na-economia-portuguesa
[5]https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/Documents/Notas_Previas_Dossier_Estatistico_IRC_2019_2021.pdf
[6] https://www.abrp.pt/pt/noticias/as-grandes-empresas-sao-o-principal-motor-da-economia-e-um-elemento-imprescindivel-para-estimular-o/198/
[7] https://ffms.pt/pt-pt/estudos/estudos/o-impacto-do-irc-na-economia-portuguesa
[8] https://www.cbo.gov/sites/default/files/cbofiles/ftpdocs/75xx/doc7503/2006-09.pdf
[9] https://www.aei.org/wp-content/uploads/2011/10/20060706_TaxesandWages.pdf
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