
Francisco Pinto Balsemão e a liberdade de Imprensa
A venda da Impresa é um negócio quase acessório perante a relevância histórica de Francisco Pinto Balsemão, o mais relevante dos portugueses, de forma continuada, nos últimos 50 anos.
Pressente-se o fim de um ciclo. É o que está em causa com a venda do controlo da Impresa, a sociedade que detém a SIC e o Expresso, aos italianos da MFE, antiga Mediast. É uma coincidência, um negócio entre grupos fundados por ex-primeiros-ministros de Portugal e de Itália e que são hoje liderados pelos respetivos sucessores. O que está em causa é mais do que um negócio, é a saída de cena de um homem, jornalista, empresário, político e advogado (por esta ordem), que está entre os mais relevantes dos 50 anos de Democracia (e talvez por enviesamento profissional, para mim é o mais relevante de todos).
Os rankings deste género têm sempre um caráter subjetivo, um ponto de vista que valoriza mais ou menos uns pontos em detrimento de outros. Há um critério que põe Francisco Pinto Balsemão à frente de todos os outros: O tempo, a longevidade de uma intervenção cívica, política, pela liberdade de expressão, pela liberdade de imprensa. Incomparável. Desde o dia em que fundou o Expresso até aos dias de hoje.
Francisco Pinto Balsemão nasceu no dia 1 de setembro de 1937, entrou pela primeira vez nos jornais em 1963, com 25 anos, no Diário Popular. Sim, veio de uma família que se pode dizer privilegiada, mas quantos tinham essa condição e quantos a transformaram numa vantagem que perdurou até aos dias de hoje? Teria sido mais fácil viver do dividendo familiar num contexto político sem liberdade. “Compreendi ser impossível lutar pela liberdade de expressão sem lutar pelas outras liberdades, pela Democracia e, portanto, pela mudança de regime”, lê-se na Biografia, assinada pelo próprio. E cumpriu, primeiro na Ala Liberal, na Constituinte de 1969 a 73. Apresentou um primeiro projeto sobre a Lei de Imprensa, com Sá Carneiro, em abril de 1970, que acabou rejeitado.
“Na origem da conceção e do arranque do Expresso estava a minha vontade de provar a mim próprio, à família e ao mundo que era capaz de lançar e fazer triunfar um projeto inovador na área da Imprensa (…) A esta motivação de base podemos acrescentar, como fatores determinantes, uma paixão pelo jornalismo, gerada e desenvolvida no Diário Popular, e que, felizmente, se mantém“. E que é óbvia para os mais distraídos. Nasceu em 1973, independente, enfrentou a Censura, contribuiu de forma decisiva para a liberdade de imprensa e para a liberdade de expressão. .
Chegados a 2025, fundou o Expresso, foi primeiro-ministro, fundou a SIC. A história é conhecida. Quando pensamos noutras personalidades que marcaram o país nestes mais de 50 anos, vem à memória Mário Soares, como é óbvio, ou Cavaco Silva e Ricardo Salgado. Cada um ao seu tempo, foram decisivos em várias dimensões, poderosos, influentes, relevantes, mudaram o curso da história. Mas cada um deles teve um tempo que se mede nestas décadas.
Balsemão chegou aqui com um legado para o país, e não é propriamente os meios de comunicação, mas os valores que lhe estão colados. A liberdade de imprensa. Não é preciso concordar com tudo o que Balsemão fez — editorial e de gestão empresarial — para lhe reconhecer uma importância histórica. Foi jornalista, ainda é, foi empresário, mas sempre quis ser empresário de media. O jornalismo, os jornalistas, foram a sua obsessão.
O negócio da venda da Impresa — a mais do que provável venda do controlo, coisa que tentou evitar até ao limite — é quase irrelevante perante o histórico de mais de 50 anos. É acessório. O essencial foi o que fez até ao dia em que a venda se tornará a única forma possível de garantir que a SIC e o Expresso mantêm a relevância que têm.
Podemos admitir que a Impresa chegou aos dias de hoje nestas condições — situação financeira crítica, prejuízos históricos, erosão de capital próprio e liquidez quase inexistente — apenas e só porque tinha um acionista que se chama Francisco Pinto Balsemão. É fácil dizer hoje que já deveria ter seguido o caminho da venda há dez anos. Mas também é fácil perceber como seria sempre difícil ao fundador não esgotar todas as soluções possíveis, e as impossíveis, até ao limite. A Impresa entrou em bolsa a valer 750 milhões de euros e valia, na sexta-feira. pouco mais de vinte milhões. É público e notório que Pedro Norton deixou de ser CEO da Impresa porque considerava que era necessário um aumento de capital que diluiria a posição de Balsemão. O próprio reconhece isso mesmo na referida Biografia. “Penso que, a partir de determinada altura, Pedro Norton começou a entender que a Impresa só se salvaria se houvesse um forte aumento de capital“, escreve Balsemão. Foi em 2015, em 2016 entrou Francisco Pedro Balsemão. Pedro Norton tinha razão, como é hoje óbvio.
A venda do controlo da Impresa — eventualmente mesmo a saída da estrutura acionista — é um fim que se adivinhava, poderia ter sido feito noutras condições, e é mais do que um negócio, tem um impacto político e social que ultrapassa em muito o seu valor económico.
Depois da saída de Ricardo Salgado em 2014 e nos termos conhecidos, com o fim do BES e do círculo de poder que o rodeava, a venda organizada da Impresa e a proteção da SIC e do Expresso são uma espécie de segundo ato de um país em transformação, um fim de ciclo que terá começado com a entrada da troika, em 2011. E é, simbolicamente, o último dos atos de Balsemão na defesa da liberdade de imprensa.
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