Fundos comunitários. Uma leitura para além do envelope para Portugal
Estamos perante um orçamento mais centralizado e mais dirigista, por força do significativo crescimento das políticas geridas diretamente pela Comissão e pela redução das políticas de Coesão e PAC.
A Comissão Europeia apresentou, nas datas previstas, as suas propostas de orçamento plurianual e sobre as regras de aplicação dos fundos para o período 2021 a 2027.
No atual contexto europeu, a apresentação de um orçamento para sete anos e o cumprimento das datas previstas deve por si só ser assinalado e saudado como positivo e interpretado como uma derrota para as tendências políticas que defendem a inviabilidade de um orçamento de médio prazo para a União Europeia e que gostariam de ver uma Política de Coesão facultativa, só aplicável aos Estados-membros que a quisessem, com a inerente redução da sua contribuição para o orçamento comum.
É certo que estamos perante o que constitui apenas uma proposta inicial que vai ser submetida a um denso processo negocial e que certamente vai ser objeto de significativos ajustamentos, que exige uma decisão por unanimidade Conselho Europeu e uma aprovação do Parlamento por maioria absoluta, carecendo provavelmente ainda de ratificação pelos parlamentos nacionais uma vez que a proposta introduz alterações no modelo de financiamento da União Europeia.
Apesar de estarmos ainda muito longe do que poderá vir a ser o modelo final, a nossa atenção pública tem sido centrada na dimensão do envelope de fundos destinados a Portugal e na sua comparação com o atual.
Compreende-se. O peso dos fundos europeus no investimento público cresceu significativamente em Portugal desde um patamar de 52% em 1994-99 para o nível de 80% no ciclo de programação de 2007-2013, traduzindo a continua redução do investimento público não cofinanciado, tendência que se acentuou após a crise financeira iniciada em 2009 e especialmente no decurso do programa de assistência económica e financeira a Portugal.
Acresce que os fundos europeus têm também vindo a ser canalizados de forma crescente para financiamento de atividades correntes nas áreas da educação e do emprego, apoiando despesas que só muito remotamente poderão ser consideradas como investimento estrutural.
A análise do orçamento plurianual para 2021-2027 e das propostas da Comissão sobre o futuro da Política de Coesão assumem a maior relevância para Portugal e para a consolidação do processo de superação dos constrangimentos económicos e financeiros que persistem. Todavia, no estado em que se encontra a Europa o nosso objetivo deverá ser também a defesa da própria Política de Coesão e lutar pela sua aplicação coerente e significativa em Portugal.
Ou seja, poderá ser redutor definir como objetivo central da estratégia negocial de Portugal apenas a manutenção dos níveis atuais de fundos europeus.
Tratando-se de um orçamento, a sua análise deve incidir sobre as duas “colunas”, a das receitas e a das políticas europeias que serão financiadas.
De um lado, os recursos próprios da União Europeia. Mantém-se praticamente ao nível atual a contribuição dos Estados-membros, apesar de já não contar com a contribuição do Reino Unido. Mantém-se também as recitas tradicionais da UE (direitos aduaneiros e outros). O acréscimo de recursos é assegurado através de novos recursos próprios, na forma de novas taxas/quase impostos.
Tudo somado, a previsão de recursos próprios da União Europeia evidencia um crescimento de 20,3% relativamente ao período atual. Então, porque é que Portugal vê o seu envelope reduzido em 7,5%?
Vamos olhar para o outro lado do orçamento, para as políticas europeias financiadas.
Primeira constatação, globalmente, o quadro financeiro plurianual cresce menos, apesar de tudo um crescimento de 13,2% a preços correntes.
A Política de Coesão vê o orçamento reduzido em 13,9% e a Política Agrícola Comum é também reduzida em 9,8%. São as outras políticas da UE que crescem significativamente, mais do que duplicando o seu orçamento.
São significativamente ganhadoras a ciência e inovação, a migração e gestão de fronteiras, a segurança e defesa e até mesmo o funcionamento das instituições europeias.
Ou seja, o impacto financeiro da saída do Reino Unido (brexit) é absorvido pelo efeito conjugado da redução do orçamento para a Política de Coesão e para a PAC e pelas novas receitas diretas da COM assumindo a natureza de impostos ou taxas, permitindo que o orçamento cresça de 1,04% para 1,11% do rendimento nacional bruto da UE.
Estamos perante um orçamento mais centralizado e mais dirigista, por força do significativo crescimento das políticas geridas diretamente pela Comissão Europeia e pela redução das políticas que mais valorizam o princípio da subsidiariedade e que conferem maior margem de manobra aos Estados-membros (Política de Coesão e PAC).
Estamos também perante um orçamento que dá uma especial atenção aos problemas que mais expressivamente são sentidos no centro e no leste da Europa. O critério do PIB per capita para a repartição dos fundos da coesão pelas regiões europeias passa a estar associado a critérios relativos a alterações climáticas, acolhimento de migrantes, desemprego jovem e baixos níveis de educação.
Por outro lado, os fundos da Política de Coesão deverão ficar concentrados em 5 objetivos: uma Europa mais inteligente, uma Europa mais verde e sem emissões de carbono, uma Europa mais interligada, uma Europa mais social e uma Europa mais próxima dos cidadãos.
Os fundos para uma Europa mais inteligente e para uma Europa mais verde deverão representar um valor situado entre 65% e 85% do total dos fundos da coesão.
São objetivos justificáveis para a Política de Coesão. Todavia…
O território nacional é marcado por relevantes assimetrias territoriais, quer em termos de recursos necessários ao processo de desenvolvimento, quer ao nível dos indicadores globais desse desenvolvimento. Segundo dados de 2012, mais de metade do PIB total português e 41,7% da população estavam concentrados nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, ou seja, em 5,1% do território de Portugal Continental.
Os índices de dispersão do PIBpc revelam processos de divergência ao nível de NUTS II e de NUTS III, sobretudo no período 1995-2005, no qual as “regiões convergência do Continente” pioraram a posição inicial que detinham face à média.
A vaga de incêndios do verão passado mostrou claramente um país a duas velocidades e um interior a necessitar de investimentos que chamem pessoas e atividade económica, mas também a necessitar de significativos investimentos de natureza infraestrutural.
Importa assegurar uma maior capacidade de resposta para o reforço da competitividade dos territórios de baixa densidade e para o interior em geral, territórios que infelizmente assumem uma dimensão crescente.
A situação destes territórios justifica que sejam considerados como objetivo estratégico os investimentos necessários em equipamentos e infraestruturas, tanto mais necessários quanto o que falta se poderá caracterizar por fecho/conclusão de redes de equipamentos, por regra unitariamente mais caros por se destinarem crescentemente a territórios de menor densidade populacional.
Será que os novos objetivos para a Política de Coesão permitem encontrar resposta para estes problemas?
O envelope destinado a Portugal é importante, mas a nossa atenção não se pode limitar à sua dimensão.
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