Gun-jumping: operações de concentração à margem da lei
A experiência e competência na assessoria e o acompanhamento de operações de concentração é uma mais-valia para mitigar a hipótese de incorrer numa situação de gun-jumping.
Todos os dias, quatro dezenas de fusões e aquisições são realizadas, em média, na Europa e, mesmo num ano atípico como o de 2020, o número de operações de concentração ultrapassou os 14.500 (num montante superior a 650 mil milhões de euros), segundo dados do Institute for Mergers, Aquisitions and Alliances (IMAA). Cerca de 300 operações são tipicamente notificadas à Comissão Europeia e, no ano em causa, cerca de 50 de um total de aproximadamente centena e meia foram notificadas em Portugal à Autoridade da Concorrência.
Pela dimensão e área geográfica das empresas envolvidas, volume de negócios e quota de mercado, são várias as operações de concentração que estão isentas de notificação e autorização legais, mas outras há que, embora a elas obrigadas, avançam à margem da lei, com prejuízo para a transparência, a competitividade e a salvaguarda dos interesses terceiros, inclusive dos consumidores. São estas as situações que recebem o nome de gun-jumping, uma expressão tipicamente usada no desporto, para designar aqueles que avançam antes do “tiro de partida”. Neste caso, o nome refere-se às empresas que avançaram para uma operação de concentração sujeita a aprovação prévia sem terem notificado a Autoridade da Concorrência.
As consequências? Sempre que uma operação de concentração sujeita a notificação e aprovação prévia ocorre sem conhecimento e não oposição das autoridades competentes estão previstas multas que podem chegar a 10% do volume de negócios das empresas infratoras.
O valor das coimas aplicado começou por ser relativamente reduzido, assim como o número de empresas sancionadas. Se este pode ter sido interpretado como um sinal de brandura por parte de algumas empresas, que decidiram optar conscientemente pelo gun-jumping, a realidade é atualmente diferente: a Comissão Europeia está a levar este tema muito a sério e as decisões institucionais têm vindo a endurecer nos últimos anos. O objetivo é evitar que seja criada ou reforçada uma posição dominante de mercado que resulte em graves entraves à concorrência.
Ainda assim, as situações de gun-jumping persistem e a análise dos casos sancionados deixa, em muitos dos casos, transparecer um denominador comum: as dúvidas das empresas relativamente aos critérios que definem a obrigatoriedade de notificação ou a sua dispensa. Se é certo que o desconhecimento não pode ser utilizado como justificativo para o incumprimento, também é verdade que os valores-limite em vigor na Lei da Concorrência (Lei nº19/2012, de 8 de maio) se revestem de alguma subjetividade e dificuldade de aplicação, deixando margem para dúvidas e interpretações díspares. A este respeito, assume particular importância a definição da quota de mercado e a delimitação do mercado geográfico, dois critérios que podem determinar a obrigatoriedade ou a dispensa de notificação de uma operação de concentração pelas empresas envolvidas.
Vejamos agora o exemplo de uma empresa que tem a sua atividade económica maioritariamente localizada numa determinada região, embora com um conjunto de clientes proveniente de vários outros pontos do país. Neste caso deve analisar-se as consequências ao nível da concorrência no distrito ou no país? Essa determinação vai definir se a empresa ultrapassa ou não os limites definidos por lei. Considerando o país como mercado da empresa, a sua quota de mercado provavelmente não obrigará à notificação. Se for considerado o distrito, esta notificação terá mais probabilidade de ser obrigatória no âmbito do Regulamento da União Europeia sobre Operações de Concentração e da Lei da Concorrência.
Situações como esta ilustram a complexidade de que se reveste a vertente legal de múltiplas operações de concentração que a priori podem parecer simples. A experiência e competência na assessoria e o acompanhamento de operações de concentração é, por isso, uma mais-valia para mitigar a hipótese de incorrer numa situação de gun-jumping, um risco para a qual parte significativa das empresas não está sensibilizada. Além de multas avultadas, avançar antes do “tiro de partida” pode obrigar as empresas a volte-faces estratégicos mais penalizadores.
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