M&A, apólices de seguros e responsabilidade

  • Sebastião Lorena
  • 2 Novembro 2022

À medida que a prática das apólices de seguro de W&I vai amadurecendo, poderão surgir novos tipos de estruturação e repartição de responsabilidade entre SPA e apólice de seguro de W&I.

Com o aumento de transações de M&A, que envolvem a colocação de uma apólice de seguro de W&I, torna-se cada vez mais relevante perceber como se podem articular estes dois instrumentos, entenda-se, a apólice de seguro e o contrato de compra e venda transacional (vulgo SPA), mormente, no que toca ao regime de responsabilidade por violação de representações e garantias (R&Ws).

Não existe nenhuma estipulação legal que determine como se deverá processar essa mesma conjugação. Assim, caberá às partes envolvidas na transação determinar os termos desta. Em traços gerais, a apólice poderá conjugar-se com o SPA de uma das seguintes maneiras:

  1. Limitação total da responsabilidade ao abrigo do SPA: uma das hipóteses será estabelecer um regime de exclusão de responsabilidade do vendedor por qualquer violação das R&Ws dadas. Em regra, este cenário é concretizado através da estipulação de um cap de indemnização no SPA de 1€. Nestas hipóteses, o comprador apenas poderá ver os danos que sofre ressarcidos através da apólice, segundo os termos da mesma. Deverá, no entanto, ter-se em conta que, nos termos do direito atualmente em vigor em Portugal, não é possível excluir-se a responsabilidade em caso de dolo, pelo que, se a violação das R&Ws for devida a dolo do vendedor, a limitação de responsabilidade ao abrigo do SPA não será aplicável. Isto não quer dizer, no entanto, que a apólice não poderá ser acionada. Antes pelo contrário. A grande diferença será que nestes casos, caso seja chamada a ressarcir os danos sofridos nos termos da apólice, a seguradora terá um direito de regresso contra a parte vendedora.
  2. Nenhuma limitação da responsabilidade ao abrigo do SPA: estrutura diametralmente aposta será aquela em que nenhuma limitação da responsabilidade por violação de R&Ws é estabelecida no SPA. Nestes casos, nem se faz qualquer referência à existência de uma apólice de W&I no SPA. Estes dois instrumentos existirão assim, em paralelo, mas totalmente separados. Poderá, nestes casos, o tomador ou beneficiário da apólice ativar a mesma ou caso prefira, tentar ser ressarcido diretamente pela contraparte. Note-se que isto não quer dizer que poderá conjuntamente ativar a apólice e pedir o pagamento de uma indemnização à contraparte. Só se pode ser ressarcido por danos que se tenham sofrido e, a partir do momento em que a indemnização é recebida seja por via da apólice, seja por ressarcimento da contraparte, esse dano deixará de existir, não sendo novamente indemnizável. Este tipo de estrutura permite que apenas uma das partes, a tomadora do seguro, esteja ciente da existência do mesmo, não havendo qualquer participação da contraparte no processo de implementação da apólice. Costuma ser o caso nas chamadas Sell-side policies, em que o tomador do seguro é a parte vendedora.
  3. Responsabilidade subsidiária ao abrigo do SPA: por último, poderá o SPA estabelecer uma responsabilidade subsidiária da parte vendedora perante a apólice. Nestes casos, estabelece-se que o vendedor apenas será responsável por indemnizar os danos que o vendedor tenha sofrido e que não tenham sido indemnizados pela ativação da apólice. Acontece, por exemplo, nos casos em que a apólice exclui certas matérias da sua cobertura, ou, quando já foi esgotado o limite máximo de responsabilidade estabelecido na apólice.

Como referido, estes são os traços gerais dos arquétipos possíveis de como se pode estruturar a apólice de seguro de W&I com um SPA. No entanto, estes não são estanques entre si. Não existe na lei nenhuma regulação específica sobre como esta conjugação pode ser feita. Poderemos num mesmo SPA ter quanto a R&Ws fundamentais uma responsabilidade subsidiária da parte vendedora, com uma total desresponsabilização quanto às restantes R&Ws.

Podemos dizer que, da nossa experiência, o mais comum é uma transferência de risco plena da parte vendedora, acordando-se que o comprador, ante uma violação de R&Ws, ativará a apólice. À medida que a prática das apólices de seguro de W&I vai amadurecendo, poderão surgir novos tipos de estruturação e repartição de responsabilidade entre SPA e apólice de seguro de W&I.

  • Sebastião Lorena
  • Especialista de private equity and M&A da Marsh Portugal

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