Editorial

Mais facilitismo, menos transparência

As mudanças que o Governo quer introduzir no código da contratação pública faz temer o pior no combate à corrupção. É que palavras leva-as o vento, e o dinheiro também.

Os governos em geral e os governos socialistas em particular são muito bons a promover planos anti-corrupção, mas são péssimos a passar estes objetivos para medidas efetivas e concretas, que permitam mesmo dar instrumentos legais e materiais às autoridades administrativas e judiciais para combater a corrupção. Ao fim de cinco anos, este Governo cumpriu o desígnio do costume e lá saiu mais um plano, enquanto, ao mesmo tempo, cria condições para que a corrupção avance quando decide mudar o Código dos Contratos Públicos (CCP) tornando mais expeditos e menos escrutinados os concursos de obras públicas.

Em tempos de pandemia, já se viu o aumento acelerado de contratos públicos por ajuste direto e agora, segundo revela o Público esta sexta-feira, o Governo quer alterar o artigo 12º do Código dos Contratos Públicos. Em causa está, por exemplo, a mudança em que o Governo define que o caderno de encargos no lançamento de uma empreitada de obras públicas inclua um projeto de execução, mas o concurso “pode avançar apenas com um programa preliminar” caso a entidade adjudicante preveja “a elaboração do projeto de execução como um aspeto da execução do contrato a celebrar”.

Segundo a avaliação do Tribunal de Contas, as mudanças têm riscos: a “exceção passar a ser regra”, o que “aumenta as possibilidades de conluio na contratação pública e distorção de concorrência”. A entidade liderada por Vítor Caldeira vai mais ao longe ao dizer num parecer que as alterações são “suscetíveis de contribuir para o crescimento de práticas ilícitas de conluio, cartelização e até mesmo de corrupção na construção pública”, recordando que “a atividade da contratação pública é um campo fértil e de risco acrescido para esse tipo de atuação ilícita”.

Os avisos são sérios e, sobretudo agora que vêm aí milhares de milhões de euros de fundos comunitários, a única coisa que ouvimos do Governo, do primeiro-ministro e dos ministros que vão liderar a execução destes fundos é que a transparência e o escrutínio serão uma prioridade. Pois, mas as palavras leva-os o vento, e o dinheiro também.

O Governo tem de criar mecanismos efetivos de controlo interno, seja no momento de lançamento dos concursos e da atribuição dos fundos, seja na sua execução, e de escrutínio dos cidadãos com mais informação disponibilizada. E tem também de reforçar as condições da justiça (entendida em sentido lato) para fiscalizar os processos em sede judicial. E não basta dizer que já há mecanismos de fiscalização dos fundos europeus, porque isso, já sabemos, não chegou para muito, pois não?

PS: O jornal Sol revela que António Costa “despediu” o presidente do Tribunal de Contas pelo telefone. Vítor Caldeira terminará o seu mandato e o Governo não quer a sua recondução. Depois da PGR, o presidente do Tribunal de Contas. Estão surpreendidos, não estão?

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