Marcelo, Constança e as armas perdidas
Há criminalidade e interesses obscuros que devem ser desmascarados e gravemente punidos sem piedade. Castigos exemplares que evitem as mãos que ateiam a morte de comunidades, de pessoas e de bens.
Marcelo Rebelo de Sousa foi demolidor quando ontem falou ao País. Primeiro, ao vestir o fato que já nos habituou: o dos afectos. Ao mencionar diversos casos humanos, mostrou a diferença face à frieza que António Costa tinha ostentado no dia anterior, onde lhe faltou emoção e comoção, sinais de proximidade, com as populações e famílias atingidas e com a unanimidade dos portugueses que sentiram na pele a morte de mais de 100 compatriotas.
Depois, a assinalar que a culpa não pode morrer solteira e tinha de haver rostos para a responsabilidade das tragédias. Ali, ao seu estilo, matou a ministra que suspeito já não estava viva, como ficou patenteado no seu comunicado de demissão. Marcelo mostrou um lado impiedoso no raspanete público ao Governo. Deixou o seu poder moderador e motivador, que tantas vezes esteve ao lado de António Costa nesta legislatura, para exibir um poder ameaçador sustentado pela popularidade que os portugueses lhe outorgam.
Abre-se assim um novo relacionamento, que a partir de agora entendo que possa ser mais crispado, se o Primeiro-Ministro não atalhar caminhos e problemas, apresentando soluções claras e um plano nacional de emergência que evite males futuros nas florestas e na prevenção de ignições sem defesa. Não esqueço que o número de 500 fogos num só dia é de deixar a pulga atrás da orelha de qualquer observador isento. Portugal teve mais área ardida que a restante Europa, isso não resulta só de insuficiências na resposta, há criminalidade e interesses obscuros que devem ser desmascarados e gravemente punidos sem qualquer piedade. Castigos exemplares, repito, que sejam duros para se evitarem as mãos que ateiam a morte de comunidades, de pessoas e de bens. Isso não pode passar impune e todos os portugueses o exigem sem tergiversações.
Antes da demissão de Constança Urbana de Sousa, que valha a verdade, diga-se, nunca mostrou competência e foi sempre o elo mais débil deste Executivo escrevi: não sou de demissões nem de purgas mas há algo que sobretudo os mais marcados pela clubite socialista deviam compreender com racionalidade. Não tem nada a ver com avidez por escalpes, apenas a ministra Constança não tem condições políticas para continuar, e isso passa pela falta de confiança que transmite aos cidadãos cada vez que aparece a falar. E neste momento esse factor não tem recuperação. Logo, por cada dia que ela permaneça no Governo, a desconfiança alastra a outros membros, especialmente a quem continua a confiar nela. Aqui, não tem de ser o PM a afastá-la, tem de ser a própria a ter a noção de que está a prejudicar a imagem de um Governo que, quer gostem ou não, a generalidade dos portugueses tem apreciado na sua acção. A ministra é que deve ter sentido de Estado e sair pelo próprio pé.
E saiu. Parece que já queria ter saído antes, mas o PM pediu a sua resiliência, a mesma da qual recomendava às populações. Aqui, os poderes públicos falharam perante a catástrofe, como sublinhou Belém. Houve incúria e incompetência mas, acima de tudo, foi evidente o colapso dos laços de confiança que um ministro tem de estabelecer com a comunidade. A crise reputacional atingiu o Governo que tem mostrado bons resultados e meteu mais dinheiro nos bolsos das pessoas. Costa é um político astuto, porém, nesta crise, parecia a olhos vistos que estava a navegar sem agarrar no leme. Cabe-lhe recuperar a solidez da sua liderança, mas é o momento mais difícil que enfrenta, curiosamente, após uma enorme vitória nas autárquicas.
Ontem, reapareceram as armas de Tancos. Uma história rocambolesca que nunca foi cabalmente esclarecida. E se das instituições militares veio o silêncio habitual que os afasta da comunidade, não podemos esquecer que o ministro divulgou que não tinham sido roubadas armas, as tais que como num passe de mágica apareceram no dia da demissão da ministra e da tomada de posição hostil de Marcelo. Não sei a quem isto interessa, mas é ridículo e um sinal grave que se andou a brincar com as pessoas. As mesmas que não gostam de ser joguetes de bailes florentinos e que cada vez mais estão atentas e não se deixam enganar.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
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