Editorial

Maria Luís Albuquerque e a força política de Montenegro

A ex-ministra foi uma escolha acertada, mesmo sem ter passado politicamente incólume nas Finanças. Tem competência e experiência, mas a pasta vai depender mais da força de Montenegro.

Desta vez, Luís Montenegro não surpreendeu na escolha de Maria Luís Albuquerque para comissária europeia, não inventou, não criou um qualquer facto político, nem uma agitação interna, geriu com o necessário silêncio. E fez a melhor escolha que poderia fazer.

Maria Luís Albuquerque tem um curriculum respeitável. Não tem uma carreira académica como a de Vítor Gaspar ou Mário Centeno, por exemplo, mas foi uma secretária de Estado e, depois, ministra, eficaz e competente nas suas funções, num contexto, recorde-se, de troika. A sua nomeação para ministra das Finanças foi, aliás, a razão do irrevogável de Paulo Portas, mostrou-se disponível para sair (coisa que Passos Coelho não aceitou, nem poderia aceitar) e, pelo que fez, o antigo presidente da comissão. Juncker, queria-a mesma para comissária. E só não foi porque o BES caiu.

Na governação, Maria Luís Albuquerque tem dois pontos fracos: A gestão do caso Banif ao longo de meses, com trocas de cartas com Bruxelas e Frankfurt, sede do BCE, e que acabou por passar para o governo de Costa com um enorme custo para o Estado, da ordem dos mil milhões de euros*, e a negociação de uma solução para o famoso caso dos ‘swap’ — investimento de empresas públicas como o Metro de Lisboa e Porto em produtos financeiros do Santander para gestão de risco de taxa de juro que vieram a revelar-se ruinosos. As comissões de inquérito foram exigentes para a ex-ministra. “É um facto inédito um membro do Governo vir três vezes consecutivas a uma comissão de inquérito por causa de declarações imprecisas, erráticas, contraditórias….”, chegou a ouvir-se na comissão de inquérito aos ‘Swap’. Mas sobreviveu politicamente.

Nas últimas horas, o ponto mais ouvido pela oposição é outro; Maria Luís Albuquerque é criticada por ter sido a ministra da austeridade, e isso, sim, é de uma enorme demagogia. Os que a criticam hoje serão provavelmente os mesmos socialistas que elogiavam Varoufakis pela estratégia de confronto no Conselho Europeu e com os mercados, com os resultados que se sabem. Naquele momento, em 2012 e 2013, um país como Portugal não tinha outra alternativa a não ser defender a austeridade, sob pena de seguir o mesmo caminho dos gregos, com sucessivos resgates e a imposição da pobreza no país. Portugal estava classificado com o nível de risco ‘lixo’ pelas agências de rating e só uma estratégia agressiva de redução do défice público, sem hesitações, permitiria tirar a troika do país. E isso (também) foi mérito de Maria Luís Albuquerque.

Tudo somado, a escolha do primeiro-ministro é politicamente forte. Maria Luís não vai ser representante de Portugal em Bruxelas e, a partir do momento em que se sentar na cadeira de comissária, responderá à presidente Von der Leyen. É mais bem vista a partir de Bruxelas do que em Portugal, é respeitada do ponto de vista técnico e tem experiência política — o Parlamento Europeu fará o escrutínio necessário para avaliar quaisquer potenciais conflitos de interesse.

Tendo em conta que o primeiro-ministro propôs uma mulher num colégio de comissários que é predominantemente de homens, apesar dos pedidos de Von der Leyen, a pasta que lhe vier a ser atribuída será uma vitória ou uma derrota do primeiro-ministro. E será comparada com a pasta que foi atribuída a Elisa Ferreira (e a Costa) no último mandato.

* Passados oito anos sobre o Banco, e com toda a informação disponível sobre o Banif, e os resultados da Oitante, o veículo criado para gerir os chamados ‘ativos tóxicos’, o esforço para o Estado foi da ordem dos mil milhões de euros.

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