Mudanças de ciclo

O ano começou frenético na economia, na política e até no futebol. São múltiplos os sinais de fogo. Há vários fins de ciclo a chegar. O optimismo não é, necessariamente, a palavra de ordem.

  1. Os últimos dados da indústria automóvel alemã adensam o abrandamento dos mercados externos: queda acentuada das exportações no mais competitivo sector europeu, fulcral na dinâmica e emprego da maior economia da Zona Euro. É o quarto sinal de alerta depois da queda das bolsas no final de ano, da subida dos juros a 10 anos para Itália e das revisões em baixa da OCDE. Quatro sinais amarelos é igual a um vermelho: o ciclo acabou.
  2. Os ventos de mudança empurram o crescimento europeu para 1,8% este ano e menos duas décimas no próximo. O problema não é tanto a brusquidão deste declínio, mas o excesso de optimismo que nos tem acompanhado. Até porque o Brexit vai ser votado para a semana e já poucos vislumbram uma saída que evite a maior desarticulação de sempre nos fluxos comerciais. A Europa está, portanto, numa perigosa encruzilhada e à procura de uma liderança: Merkel já assinou a data de renúncia, Mário Draghi deixa o BCE e extinguem-se os estímulos à economia e até a França volta a ser um país desalinhado das exigências orçamentais, rompendo o Pacto de Estabilidade. No fundo, também Macron se excluiu de liderar um novo ciclo europeu. Ora, é neste vazio que, por cá, navegamos rumo a três eleições.
  3. E, de repente, quebrou-se a letargia no PSD. Luís Montenegro prepara uma revolta na Bounty na reta final de um ciclo que Rui Rio conduziu com um imenso distanciamento do eleitorado. A nove meses das legislativas e a quatro das europeias, Montenegro sente que ainda é possível evitar uma maioria absoluta de António Costa. Mais importante ainda, pressente que se não avançar neste momento já não terá espaço para uma segunda oportunidade. Em política, como na vida, o poder conquista-se pela ação e não cai no colo de quem fica demasiado tempo à espreita.
  4. O tempo de campanha eleitoral já começou. Atente-se na multiplicação de anúncios para os próximos anos e para uma legislatura que ainda nem sequer começou, mas já parece uma festa: mil milhões para o Metro de Lisboa e Porto, o dobro para um novo aeroporto no Montijo e alargamento do Humberto Delgado, dez vezes mais para um plano estratégico de obras públicas até 2030. De repente, Portugal regressou aos grandes momentos de investimento no betão, os mesmos que coincidiram com períodos eleitorais e uma mudança de ciclo económico, como o da chegada da crise financeira. E que, muito rapidamente, deixou todos os projetos no congelador.
  5. No Ensino Superior, também a longo prazo se promete um fim de ciclo. Neste caso, o das propinas. 20 anos depois de um consenso alargado, o financiamento poderá passar a ser integralmente oriundo do orçamento. Extingue-se o princípio do utilizador-pagador e fica o alerta: a evidência não aponta as propinas como o maior obstáculo a tirar uma licenciatura, – desde que acção social funcione, que é o que se espera! Custos de contexto como alojamento e apelo do mercado de trabalho pesam muito mais que essa mensalidade. Outra preocupação expressa pelos reitores: o valor que as universidades deixam de receber pelas propinas tem de ser integralmente compensado. A dotação está abaixo da média europeia e não se aceita nem menos um cêntimo. Até porque uma Camâra Municipal como Lisboa tem mais volume de orçamento que o Ensino Superior? Faz algum sentido?
  6. O Benfica encerrou o ciclo Rui Vitória. Os adeptos, e depois a Direção, foram pouco gratos com quem garantiu seis títulos, fechou um tetra, lançou jogadores jovens como nunca tinha sido feito e só falhou o penta porque lhe roubaram trunfos decisivos. Foi sempre calmo e focado. Sem histerismos e com competência. Merecia mais apoio e uma maior defesa ao longo destes anos. Na Luz, reza-se para que Bruno Lage vença nos Açores antes de ser oficialmente confirmado como treinador até ao final da época. Alternativas: nenhuma! José Mourinho foi só uma cortina de fumo para ganhar tempo. No fundo, é preciso dar espaço à comunicação do Benfica para convencer todos aqueles adeptos que não esquecem Jorge Jesus aos saltinhos em Alvalade ou de joelhos no Dragão.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

  • Jornalista. Subdiretor de Informação da TVI

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