O bolo, as fatias e as migalhas
Adianta pouco andar a discutir que fatias cabem a cada um dos grupos sentados à mesa do orçamento. A questão é mesmo o tamanho do bolo.
Neste século, Portugal cresceu a uma média de 0,2% por ano, em termos reais. Basicamente, não crescemos. No mesmo período, o Orçamento de Estado representou sempre e teimosamente algo entre 45% e 55% do PIB. O peso das rubricas de “Despesas com o Pessoal” e “Prestações Sociais” e afins (entenda-se, funcionários públicos, pensionistas e beneficiários de apoios sociais) representa mais de 80% da despesa primária e tenderá a aumentar pela pressão demográfica. O Orçamento de Estado é financiado quase exclusivamente (mais de 85%) por impostos.
Chega de números, façamos a tradução em português de gente: se o PIB não crescer, a melhoria – aliás, a própria manutenção – do Estado Social e da qualidade dos serviços públicos implicará cada vez mais impostos. Isto no pressuposto que não nos podemos continuar a endividar indefinidamente, o que suponho que poucos contestarão.
Tudo isto é evidente e não pode deixar de ser conhecido de todos, a começar pelo Governo em funções. Seria, pois, natural que as prioridades políticas se concentrassem no aumento do produto, dentro dos constrangimentos a que ainda estamos sujeitos por via dos compromissos assumidos com Bruxelas para eliminar o défice estrutural.
Acontece que não existem mil maneiras de aumentar o PIB de um país, as parcelas são aliás, essencialmente, apenas quatro: o consumo privado, o consumo público, o investimento e a procura externa (líquida das importações).
A essência da política económica é escolher de que forma se pretende atuar sobre qual das parcelas. Este Governo optou, de início e no seu primeiro orçamento, por privilegiar a parcela do consumo privado. A reposição dos cortes nos salários e pensões levaria a um aumento daquela parcela em 2%, com um impacto de cerca de 1,2% no PIB, já que o consumo privado representa cerca de dois terços do produto português. Os restantes 1,2% de crescimento (2,4% era o cenário de crescimento previsto pelos 12 economistas do PS antes das eleições) viriam das outras parcelas.
A julgar pelos dados da execução orçamental finalmente disponibilizados, o que fica claro é que as previsões relativas ao consumo privado se mostraram essencialmente corretas, enquanto as previsões quanto às demais parcelas falharam estrepitosamente. O consumo público caiu, o investimento caiu, as exportações líquidas estagnaram (e se não fosse o Turismo…).
Em retrospetiva, isto não é uma surpresa, já que não só não houve medidas concretas de estímulo as estas parcelas, como a adoção de uma espécie de retórica anti-capitalista pelos partidos que apoiam o Governo constituiu, na prática, um desincentivo ao investimento – nacional e estrangeiro – na economia portuguesa. A psicologia conta, e muito, nas decisões dos agentes económicos.
Na essência, o modelo de desenvolvimento e crescimento assumido no Orçamento de Estado para 2016, estava errado. Seria, por isso, natural que o Governo viesse corrigir essa visão, certo?
Nada disso, a julgar pela proposta de Orçamento de Estado para 2017. Nela continuamos a não encontrar medidas significativas de estímulo ao investimento ou às exportações. Permanece a prioridade absoluta dada à reposição de salários e pensões públicas sem qualquer reconhecimento do facto que, durante a crise, os cortes nos salários (e nos empregos) dos trabalhadores privados foram ainda mais gravosos. E, espera-se, certamente por milagre, que a iniciativa privada veja neste orçamento um sinal de que chegou a altura de voltar a investir.
Apesar deste otimismo subjacente ao modelo, o OE 2017 prevê um crescimento de apenas 1,5% (menos de metade dos 3,1% previstos no já referido documento ‘Uma década para Portugal’). Dirão alguns que os compromissos assumidos com a UE obrigam a concentrar os esforços na redução do défice, prejudicando o crescimento económico. Só que de acordo com os próprios números do Governo, mesmo o pequeno crescimento previsto irá justificar 60% (!) da redução do défice orçamental prevista neste orçamento, como se pode verificar no quadro seguinte (p.37 do Relatório do Orçamento de Estado para 2017).
A mensagem deveria estar clara para todos: adianta pouco andar a discutir que fatias cabem a cada um dos grupos sentados à mesa do orçamento. A questão é mesmo o tamanho do bolo. Quem investe reprodutivamente? Quem cria emprego? Quem gera riqueza? Que condições têm? De que precisam? Sem respostas cabais a estas questões e sem o reflexo das respostas nas políticas públicas, não voltaremos a crescer economicamente.
E se não crescermos, em breve não estaremos a discutir as fatias, mas apenas as migalhas que cabem a cada um.
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