O direito de autor e a imprensa escrita: o antes e o após a Diretiva do Mercado Único Digital
A era digital em que vivemos tem agora mais uma base jurídica concebida pelo Parlamento Europeu, cabendo ao Governo Português incorporar o texto da Diretiva no nosso ordenamento jurídico.
Hoje, dia 23 de abril de 2021, volvidos precisamente 405 anos desde a morte de William Shakespeare, comemora-se o dia mundial do livro e do direito de autor. Não foi à toa a escolha deste dia. Na Conferência Geral da UNESCO, ocorrida em 1995, foi definido que o dia mundial do livro e do direito de autor seria celebrado numa data que servisse igualmente para homenagear alguns autores, como o aludido. A celebração deste dia desperta, todavia, sérias reflexões sobre o direito de autor na era digital no que toca à exploração, cada vez mais proliferada, das várias obras intelectuais, incluindo publicações periódicas.
Também hoje, dia 23 de abril de 2021, Portugal tem precisamente 42 dias para transpor a Diretiva (UE) 2019/790 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital, sendo que o prazo limite para tal transposição termina no próximo dia 7 de junho. Esta Diretiva trouxe à reflexão (ou mesmo à discussão) várias questões específicas relacionadas com a exploração de obras no âmbito digital e a proteção (e remuneração) concedida aos respetivos titulares de direitos. O texto procurou acompanhar o mundo atual, com as suas rápidas e constantes alterações, assentes na internacionalização e na globalização de pessoas e conteúdos. O advento da Internet trouxe-nos uma nova realidade de disseminação de informação, de conteúdos, de obras. Encontramo-nos, por isso, perante um verdadeiro esforço de adaptação a um mundo em mudança.
A era digital em que vivemos tem agora mais uma base jurídica concebida pelo Parlamento Europeu, cabendo ao Governo Português incorporar o texto da Diretiva no nosso ordenamento jurídico e, apoiado pelos relevantes stakeholders, determinar as regras específicas de cumprimento da mesma. No entanto, a Diretiva tem sido alvo de grandes controvérsias desde a sua adoção, sendo transversais a todos os Estados Membros da União Europeia as reações acesas, as discussões e até os motins promovidos contra a aplicação de algumas das suas disposições.
Entre as disposições da Diretiva que apresentam maior controvérsia encontramos o artigo 15.º da mesma relativo à “proteção de publicações de imprensa no que diz respeito a utilizações em linha”. Prevê este artigo a atribuição de um novo direito (conexo) na esfera dos editores de publicações de imprensa relativo à utilização em linha destas suas publicações por prestadores de serviços da sociedade da informação. Entendendo-se, por “publicações de imprensa” uma coleção composta, principalmente, por obras literárias de caráter jornalístico, tais como um jornal ou uma revista.
Pois bem, na sequência de duas tentativas, sem grande sucesso, levadas a cabo, primeiro na Alemanha (em 2013, com a Lex Google, a consagrar um direito conexo para proteger editores de imprensa mas cujo efeito prático se relevou diminuto) e, em seguida, em Espanha (em 2014, com a consagração de um direito conexo para “periodistas” e que motivou a Google a anunciar a desindexação de conteúdo noticioso espanhol do seu serviço de Google News), entendeu o legislador comunitário ser necessário estabelecer à escala da União, uma proteção jurídica harmonizada para publicações de imprensa como forma de proteger os editores de imprensa, reconhecendo-lhes o inestimável contributo na produção das respetivas publicações e, bem assim, de garantir a sustentabilidade do setor em face da emergência de agregadores de notícias e/ou empresas de clipping e seu aproveitamento (não remunerado) daqueles conteúdos.
Os efeitos de tal consagração já se fazem sentir… Em França (primeiro país europeu a transpor a Diretiva, incluindo o referido artigo 15.º da mesma) ecoaram notícias de uma imposição à Google, por parte da justiça francesa, de negociação de direitos com os editores de jornais tendo em vista a celebração de acordos de remuneração. Sendo que, entretanto, a própria Google já anunciou ter chegado a entendimento com alguns media franceses para esse efeito, o mesmo se verificando, mais recentemente, em Itália.
Mas os ecos dos impactos do artigo 15.º da Diretiva são globais. A título de exemplo, na Austrália, após o apagão informativo do Facebook, foi imposto aos gigantes digitais o pagamento de remunerações aos editores de imprensa pela utilização e difusão de tais conteúdos. Aguardamos com expectativa o que o futuro nos reserva para Portugal e como esta disposição (obrigatória) será incorporada na nossa lei autoral. Uma coisa é certa, vamos todos continuar a ler artigos de jornais e revistas nos nossos tablets e smartphones, mas conscientes de toda uma realidade que merece proteção.
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