
O Ministério Público e um escândalo de regime
A vigilância de três anos ao juiz Ivo Rosa é o último — e talvez mais grave — caso que mostra um Ministério Público doente e em roda livre. Vamos só esperar que a malta se esqueça?
O Ministério Público recebeu uma denúncia anónima com alegações fantasiosas, conversas de café não fundamentadas e teorias da conspiração acerca do Juiz Ivo Rosa, que alegavam, na prática, que este estava “no bolso” de José Sócrates e comprado para o safar das acusações.
Ivo Rosa, como se sabe, é um juiz particularmente exigente na análise de prova e de indícios, algo que desagrada profundamente ao Ministério Público (MP), uma vez que tende a não validar de cruz o que esse defende, na sua cada vez mais populista cruzada contra “os ricos e os poderosos”. Rosa é uma espécie de yin para o yang de Carlos Alexandre. Enquanto os dois únicos juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal, era sabido que era uma espécie de cara ou coroa: um tendia muito para o lado do MP, o outro para o lado dos visados.
Depois da tal denúncia anónima, Ivo Rosa foi espiado durante três anos. Os seus movimentos foram seguidos, as contas bancárias devassadas, a vida acompanhada pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção. Não encontraram nada, e a questão, na verdade, nem é essa. É que, de tudo o que se sabe, a investigação não podia sequer ter prosseguido, dada a inconsistência da tal denúncia.
A utilização de formas de vigilância e métodos intrusivos está prevista na lei e deve ser feita com bom senso e parcimónia, já para não dizer o óbvio, a coberto da legalidade. Neste caso, a denúncia deu muito jeito para uma verdadeira perseguição feita pelo MP ao magistrado que, no entender de alguns dos seus responsáveis, lhes estragava o trabalho. Isto porque nunca esqueceu o óbvio: um juiz não é um justiceiro e deve olhar para a lei e para as provas. E isso implica algo que o MP há muito tempo não sabe fazer: ignorar o populismo ululante e o revanchismo social que marca muita da narrativa pública dos dias de hoje.
No momento em que o MP decidiu investigar Ivo Rosa, o mal estava feito. E esse seria irremediável mesmo que tivessem encontrado provas ou fortes indícios de que Ivo Rosa era um juiz corrupto. Mas ainda por cima, azar, não encontraram nada. Foi um “all in” ilegal que explodiu na cara dos responsáveis da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Sejamos claros: estamos perante uma perseguição a um juiz que criticou publicamente o mau trabalho do MP e que, de forma coerente com a sua visão do direito, foi responsável por muitos dissabores a procuradores que viram o seu trabalho esbarrar na exigência do magistrado.
Temos de lembrar que este caso surge no tempo de Lucília Gago à frente da Procuradoria-Geral da República. A mesma que, num parágrafo completamente desnecessário e irresponsável aquando da “Operação Influencer”, fez cair o Governo.
E agora? Bom, agora temos o silêncio comprometido de Amadeu Guerra, o atual PGR, e de toda a instituição. Que se esconde atrás do “sigilo” de uma denúncia — aliás já arquivada — e que aparentemente se prepara para destruir a documentação.
Sabemos que, hoje em dia, se pede que rolem cabeças por dá cá aquela palha. Mas há ocasiões em que essa é a única via aceitável. É preciso fazer um inquérito independente e rigoroso, que nos explique quem fez o quê, de que forma, com que motivação. E que haja consequências.
Estamos entretidos com a Joana Marques e os Anjos, a flotilha e o clássico de domingo. Mas este é um escândalo que toca o coração do Estado de Direito. E tem de ser tratado como tal.
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