O multitasking é inimigo do sono
Embora amplamente valorizado no mundo do trabalho, fazer muitas coisas ao mesmo tempo não aumenta o foco ou a produtividade. É um mito.
Sejamos realistas: o multitasking está na moda. Vivemos numa era de acumulação de tarefas, onde o digital, o imediato e o 24/7 dominam e invadem as nossas vidas. É tentador estar sempre ligado e ir fazendo o máximo de coisas possível, de maneira a “aproveitar” bem o tempo. Queremos estar em todo o lado, quando na realidade acabamos por não estar realmente em lado nenhum.
Embora amplamente valorizado no mundo do trabalho, fazer muitas coisas ao mesmo tempo não aumenta o foco ou a produtividade. É um mito. O cérebro simplesmente não aguenta o mesmo nível de atenção quando nos dividimos em várias tarefas. Se por um lado nos vamos sentido cada vez mais omnipotentes, numa espécie de síndrome de super-herói, ao desempenhar multitarefas temos menos disponibilidade para cada uma delas. Além disso, o excesso de estímulos a que andamos expostos hoje em dia pode dificultar a vivência saudável e tranquila que desejamos para os nossos dias e noites.
Sem querer aprofundar muito o conceito deste fenómeno, que pode estar associado à execução de várias tarefas em simultâneo ou à alternância sistemática de tarefa em tarefa, interessa examinar a relação do multitasking com o sono. Quando falamos de qualidade do sono, um dos principais aspetos a referir é a forma como se organiza o dia. Olhamos para o sono como um fenómeno das 24h, em que tudo o que fazemos durante o dia tem impacto na qualidade do sono. Ou seja, não é apenas a forma como dormimos que determina como vai correr o dia seguinte. Quando os dias são pouco estimulantes, temos alterações no padrão de sono. Por outro lado, se os nossos dias são uma correria, cheios de atividades e sem uma redução gradual de estimulação ao final do dia, é difícil dormir bem.
Uma criança de oito anos explicou-me uma vez numa consulta do sono que tinha descoberto o segredo para dormir bem. Bastava lembrar-se que não tinha no cérebro um interruptor para cima e para baixo que a fizesse dormir e acordar de repente, mas sim daqueles “com rodinha” que a ajudava a acordar e adormecer devagarinho e de forma progressiva. Como ela tinha razão!
Um outro aspeto importante é o cansaço que o multitasking pode promover. Ao contrário do que possa parecer, estar cansado não facilita o sono, pelo contrário. O organismo fatigado está em esforço, sobreativado, é por isso que dormimos pior quando estamos exaustos. É muito comum ouvir queixas de pessoas que estavam tão cansadas que nem conseguiram pregar olho. A minha sugestão: priorizar tarefas e escolher de forma criteriosa as atividades reservadas para o final do dia. É fundamental saber desligar do que se passou durante o dia para criar condições favoráveis à qualidade do sono. Todas as tarefas cognitivas que tanto valorizamos, como a atenção, a memória e a criatividade, dependem de noites descansadas e isso só é possível se aceitarmos que o tempo para dormir é sagrado. E não vale a pena ouvir uma aula ou conferência enquanto se dorme, o conhecimento adquire-se acordado e durante o sono o cérebro encarrega-se de o transformar em aprendizagens. Basta-nos dormir sossegados, sem interferências.
Há coisas simples que podemos começar a aplicar nas nossas casas e nos locais de trabalho, como a política de utilizar apenas um ecrã de cada vez, ou deixar os telemóveis desligados durante as reuniões. São pequenos exercícios que promovem a capacidade de nos focarmos numa tarefa de cada vez, capacidade imprescindível para gerir melhor a hora de dormir e garantir que o sono tem a exclusividade que merece.
*Teresa Rebelo Pinto é psicóloga, especialista em sono certificada pela European Sleep Research Society. Foi coordenadora do Projeto Sono Escolas.
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