O Orçamento do Estado e as custas judiciais

A revisão do Regulamento das Custas Processuais é um bom exemplo de reformas que, sem grande impacto orçamental, não só são essenciais para efetivar o Estado de Direito.

Juntamente com a entrega da proposta de Orçamento de Estado para 2025 no Parlamento, foi anunciado pelo Governo que, uma vez mais, o valor da unidade de conta que serve de base para o cálculo das custas judiciais se manteria inalterado, enquanto não fosse revisto o Regulamento das Custas Processuais (Regulamento).

Duas boas decisões: o não aumento das taxas de justiça (por regra, já injustificadamente elevadas) e uma revisão do Regulamento, como tem vindo a ser reclamada pelos diversos operadores judiciais.

De facto, o Regulamento é, hoje, absolutamente iníquo, gerando muitas desigualdades, e sendo, não raras vezes, um claro impedimento de acesso dos cidadãos à Justiça e à realização do Estado de Direito, o que é intolerável.

Ora, no debate que agora se inicia, devem ser tidas em vista as especificidades da Justiça Administrativa, até então tratada como um parente pobre da Justiça portuguesa, apesar de estar há muito identificada como um dos mais relevantes constrangimentos ao investimento, na medida em que qualquer disputa com o Estado impõe um tempo de espera irrazoável. Concretamente em relação a custas, a especificidade da justiça administrativa centra-se, sobretudo, nas ações de contencioso pré-contratual.

O legislador cedo percebeu que esta matéria necessitava de regulamentação específica e, por isso mesmo, concedeu-lhe um regime distinto: ao invés do valor das custas em primeira instância variar em função do valor do contrato ou das propostas, apresenta um valor fixo.

Percebe-se o porquê: não só o quê de dificuldade e meios necessários para decidir uma questão pré-contratual não depende do valor do contrato como, ou até sobretudo, se o valor das custas fosse determinado pelo valor do contrato, facilmente atingiria dezenas ou centenas de milhares de euros (como, aliás, sucede noutros processos, em face da inexistência de tetos máximos). Com a nota adicional de que, se um particular vende um determinado bem ao Estado ou realiza uma empreitada, o valor do contrato não reflete o benefício económico que dele retira.

Porém, pese embora o legislador tenha percebido esta questão desde a versão originária do Regulamento, o regime necessita hoje de uma profunda revisão em, pelo menos, três aspetos: é demasiado económico em primeira instância, mas demasiado oneroso nas instâncias de recurso e, além do mais, tem de ver o seu âmbito de aplicação alargado a todos os contratos.

Com efeito, o legislador – e bem – na tentativa de não impedir ou obstaculizar o recurso aos tribunais para a impugnação de concursos públicos (até porque quando não é escolhida a melhor proposta, é o próprio Estado que perde), fixou o valor da taxa de justiça em EUR 204,00. Naturalmente, este valor está totalmente desfasado da realidade e desconforme com os valores das taxas noutros processos, justificando-se que, sem nenhum constrangimento no funcionamento da justiça, suba para o triplo ou mais. Para além disso, potencia um efeito adverso do pretendido pelo legislador, fomentando o recurso aos tribunais em situações injustificadas e, assim, agravando o entorpecimento da justiça administrativa. Por outro lado, se, por alguma razão, um particular perde um processo em primeira instância, deixará de usufruir daquele regime de mais-valia e passará a estar sujeito ao regime geral, ou seja, aquele em que, antagonicamente, as taxas devidas são calculadas em função do valor da ação.

Isto significa que o mesmo processo poderá ser tributado num valor de taxa de justiça de EUR 204,00 em primeira instância e em dezenas ou centenas de milhares de euros em segunda instância. Obviamente, este regime não tem qualquer racionalidade, é injusto e desproporcional. Assim, se, por um lado, se exige que o valor da taxa em primeira instância suba consideravelmente, por outro lado, em segunda instância, terá de descer, assim se construindo um sistema (porventura até sem perda de receita) mais justo e harmonioso.

Haverá, naturalmente, muitas formas de limitar a taxa devida nas instâncias superiores, tanto estabelecendo um valor máximo inultrapassável (até porque a taxa de justiça é uma verdadeira taxa e, por isso, mesmo tem que ser proporcional ao serviço prestado, o que nunca será o caso quando atinge valores irrazoáveis), como estabelecendo que corresponda a um múltiplo do valor devido em primeira instância.

A revisão do Regulamento é um bom exemplo de reformas que, sem grande impacto orçamental, não só são essenciais para efetivar o Estado de Direito, como poderão constituir um instrumento relevante de política de justiça que, se bem ponderado e executado, introduzirá melhorias muito significativas no funcionamento do sistema, desincentivando, por um lado, litígios sem qualquer viabilidade e prejudiciais ao funcionamento da justiça e da administração, e permitindo, por outro, que, nos verdadeiros litígios, os particulares possam litigar sem a espada apontada às suas cabeças que são as custas judiciais.

  • Patrícia Brito
  • Associada sénior da PLMJ

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