O país do salário mínimo
No panorama geral, o problema do salário mínimo está sobretudo na falta de competitividade das empresas, e não numa alegada avareza dos seus empresários.
Segundo dados divulgados há dias pelo INE, a taxa de desemprego em Maio ter-se-á situado em 9,4%, tratando-se da mais baixa taxa de desemprego desde 2008. É, sem dúvida, uma boa notícia. O emprego, como qualquer estudante de economia aprende no início do curso, vem sempre a reboque do crescimento, por isso, encontrando-se a economia a crescer desde o final de 2013, já não era sem tempo.
O emprego está a crescer sobretudo no sector dos serviços, em particular no que está relacionado com turismo, mas agora, contrariamente ao que sucedeu em 2016, também está a crescer na construção. Na indústria também cresce, embora menos face à média geral. Globalmente, a situação é hoje muito mais favorável, sobretudo quando comparada com 2012 e 2013, mesmo que em termos absolutos existam hoje menos pessoas empregadas do que em 2008.
De resto, para além da redução do número absoluto de empregos em Portugal, há ainda um outro ponto que nos deveria preocupar a todos: o facto de a economia portuguesa ser hoje, cada vez mais, uma economia de salário mínimo, na qual 23% dos trabalhadores a tempo completo – 730 mil pessoas – auferem a chamada retribuição mínima mensal garantida (RMMG).
O salário mínimo nacional (ou a RMMG, como agora se diz) tem vindo a aumentar significativamente nos últimos anos. Entre 2011 e 2017, a RMMG aumentou 17,3% em termos nominais, face ao crescimento de 1,9% da produtividade e de 9,4% da inflação.
Ao invés, no mesmo período de tempo, considerando a globalidade de toda a população empregada em Portugal, os salários médios diminuíram 0,7%. Consequentemente, a percentagem de trabalhadores abrangidos pela RMMG passou de 11% do total de trabalhadores para 23% do total a tempo completo.
Todos estes dados constam do último relatório de acompanhamento do acordo sobre a RMMG do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (p.35). Mas, na realidade, a prevalência do salário mínimo é até superior a 23%. Isto sucede porque existe uma franja de trabalhadores (8% do total) que, encontrando-se a tempo parcial, não chega sequer a ganhar o salário mínimo. Ou seja, o conjunto de trabalhadores que, na prática, auferem rendimentos inferiores ao salário mínimo ultrapassa é 31% do total de trabalhadores.
Os números anteriores dão muito em que pensar – pense, caro leitor, como seria se tivesse de viver com 557 euros brutos por mês… – e infelizmente dizem muito (mal) sobre a criação de valor acrescentado na economia portuguesa. Mais: subestimam a difusão do salário mínimo em certos segmentos da população portuguesa. Por exemplo, entre os trabalhadores a tempo completo com menos de 25 anos de idade, 31% estão a salário mínimo. Na agricultura, pecuária e pesca, a proporção sobe para 37%. No alojamento e na restauração, sobe ainda mais, para 39%. E nas microempresas – empresas com 1 a 9 trabalhadores – atinge 45%. A região mais abrangida pela RMMG é o Norte do país, sendo que globalmente, ao nível do continente, 41% dos novos contratos de trabalho iniciados no primeiro trimestre de 2017 foram-no à RMMG.
São números incríveis, que colocam um enormíssimo ponto de interrogação quanto à qualidade da criação de emprego que temos vindo a registar recentemente. E que também colocam dúvidas quanto à sustentabilidade do crescimento do consumo privado, que tanto tem estimulado o crescimento recente do PIB, numa altura em que a taxa de poupança nunca foi tão baixa.
Evidentemente, haverá sempre quem venha alegar que o problema dos baixos salários é a avareza dos nossos empresários. Neste ponto em particular, há que analisar os dados da central de balanços do Banco de Portugal, constantes do último boletim estatístico (p.277), designadamente a demonstração de resultados agregada das empresas portuguesas. Aqui, observa-se que a margem de rentabilidade líquida (resultado líquido em proporção do volume de negócios) era em 2015 de 3,5%. Entre os custos das empresas, os salários representavam cerca de 13% do volume de negócios. A rubrica do custo das matérias vendidas e matérias consumidas era aquela que maior peso tinha na estrutura de custos (50%), logo seguida da rubrica de fornecimentos e serviços externos (22%). Em conjunto, estas três parcelas representavam 85% do volume de negócios, sendo que a diferença face à margem líquida era consumida pelas amortizações (4% do volume de negócios), juros (2%), impostos (1%) e ainda outros gastos não discriminados (5%). Resta, portanto, a pergunta: há espaço para aumentar os salários?
Dos números anteriores, poupando os leitores às fórmulas contabilísticas, resulta grosso modo que o valor acrescentado bruto das empresas portuguesas é de 23% dos proveitos. Este é o valor acrescentado que permite remunerar os factores de produção (trabalho e capital), bem como o Estado (impostos). Assim, se os salários representavam 13% dos proveitos em 2015, então, mais de 50% do valor acrescentado era utilizado para remunerar o factor trabalho. É muito ou é pouco?
A resposta dependerá da comparação de Portugal com países cuja especialização sectorial seja semelhante à nossa. Porém, a título de referência interna (e como exemplo extremo), o grupo EDP, que segundo o seu R&C 2015 pagava um salário médio três vezes superior ao salário médio nacional, dedicava então 15% do seu valor acrescentado bruto à remuneração do factor trabalho. Ora, isto demonstra que é possível pagar muito, remunerando relativamente mal, mesmo num país como Portugal – onde em média se paga pouco, remunerando relativamente bem.
Moral da história, no panorama geral, o problema está sobretudo na falta de margem bruta das empresas, na sua falta de competitividade, e não numa alegada avareza dos seus empresários.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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