Editorial

O PREC da Habitação (II)

O Governo não sabe o que quer fazer na habitação, não preparou nada e está agora a tentar perceber as consequências do seu próprio plano. Mas o mal já está feito.

Se havia alguma dúvida, os últimos dias foram esclarecedores, com a sucessão de declarações, nomeadamente da ministra da Habitação, Marina Gonçalves: O Governo sabe que há um problema, faltam imóveis para a procura que existe e o respetivo preço está a acelerar muito em comparação com os aumentos dos rendimentos. Mas não tem a mínima ideia do que fazer, e por isso inventou um plano que atira para todo o lado sem qualquer estudo, qualquer diagnóstico digno desse nome, menos ainda uma análise consistente de objetivos e metas. A proposta de consulta pública durante um mês é na verdade o tempo que o Governo precisa para fazer, ele próprio, o trabalho de casa que não fez, as propostas de diplomas legais que todos já perceberam não existir. O plano da Habitação é, na verdade, uma farsa.

Como escrevi aqui, numa primeira análise ao PREC na habitação, entre tantas medidas apresentadas, alguma haveria de ser positiva. Mas o traço de intervencionismo é demasiado carregado, ou, como dizia Paulo Portas, o primeiro-ministro não criou uma Remax pública, mas uma ‘ReMarx’, tal é a tentação, ingénua ou incompetente, comunista e violadora de princípios básicos, de pôr o Estado a formar os preços da habitação em Portugal. Se fosse para levar a sério, mereceria uma manifestação pública nas ruas, mas mesmo sendo apenas uma mão cheia de ideias lançadas para a frente apenas para mostrar uma capacidade de iniciativa política, tem de justificar uma reação indignada.

Há poucas medidas boas, há muitas medidas más, há também as inócuas, mas há sobretudo uma perigosa, reveladora de um certo desespero político, da confissão de uma incapacidade para mudar o país quando o Governo teve condições únicas para o fazer. Não quis, não soube, não vai fazer. E por isso, hoje, como dizia Ricardo Reis numa notável entrevista a Maria João Avillez na CNN Portugal (merecia outro horário), há uma medida de avaliação do que é hoje Portugal: Os jovens mais qualificados estão a sair do país. Afinal, quem é que quer cá morar? E contra este facto, não há narrativa que valha.

Qual é, afinal, a medida perigosa neste plano de habitação? O arrendamento obrigatório de casas devolutas. O Estado, anunciou António Costa, pode mobilizar património devoluto através do arrendamento obrigatório por entidades públicas, com o respetivo pagamento de renda, para posterior subarrendamento. E segundo a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, uma qualquer casa vazia no Porto ou em Lisboa pode ser alvo de expropriação. E claro, agarrada a esta ideia, vem a falácia de que esta é a medida, que põe em causa o direito de propriedade, é necessária para responder a outro direito, o da habitação. E um certo julgamento moral a quem, seja quais forem as razões, tem um imóvel sem utilização.

Em primeiro lugar, não há um estudo que se veja, não há uma análise decente às razões para a existência de mais de 700 mil casas devolutas. Desde logo, onde estão esses imóveis, e se estão ou não em condições de serem habitados. Em segundo lugar, se é verdade que o direito à propriedade não é absoluto, é daqueles que só pode ser posto em causa por razões extraordinárias, em momentos extraordinários, e depois de tentadas todas as outras alternativas. E é aqui que o Governo falha em toda a linha. A expropriação, é disso que se trata, é apresentada como uma qualquer medida “normal”, ao lado da simplificação legal ou da redução de impostos.

O Estado não consegue fazer uma avaliação dos seus próprios imóveis, falha na construção de imóveis do parque público para níveis próximos da média da União Europeia, o Governo lança sucessivos programas que são um fracasso, mas António Costa entende que deve tomar posse de imóveis de proprietários privados e arrendá-los a quem entende, nas condições que entende serem de mercado. Não, não e não. Como noutras situações, se abrirmos permitirmos esta violação grosseira de um direito fundamental e fundador das democracias sem exigir que o Estado faça tudo o que tem a fazer antes. Neste caso específico, senhor Presidente da República, não é preciso abrir o melão para saber o que lá está dentro.

Costa e Marina Gonçalves garantem que não há qualquer expropriação porque os proprietários dos imóveis não deixam de o ser, mesmo quando o Estado os subarrenda. Ora, a propriedade não é uma formalidade, é mesmo um poder de decisão sobre um qualquer bem e, neste caso, o Estado vai arrogar-se o direito de gerir um bem contra a vontade do seu dono.

Por outro lado, a insistência de que este regime de expropriação já existe é simplesmente uma mentira habilidosa, porque, como o primeiro-ministro sabe melhor do que ninguém, esse regime existe apenas para as situações de segurança em caso de risco de ruína.

Esta medida não vai passar, mas a verdade é que foi tentada. E sintetiza uma ideia de intervencionismo governamental que só esperávamos do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista. O Governo vai arranjar maneira de desvalorizar a iniciativa, vai passá-la para terceiro plano, vai esvaziar o seu alcance para que passe nos crivos legais sem ter de a retirar, mas o mal está feito, a instabilidade que criou — somada também ao ataque ao Alojamento Local — já não tem recuo possível.

Este PREC da Habitação não vai aumentar a oferta de imóveis nem vai servir para baixar o seu preço, pelo contrário, causa danos irreparáveis na credibilidade do pais, e ainda vamos ver o primeiro-ministro a apelar ao investimento imobiliário daqueles, portugueses e estrangeiros, pequenos aforradores e fundos de investimento, que agora decidiu transformar em inimigos e culpados da crescente degradação social do país.

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