O processo e as questões de fundo
É importante que o episódio Rosalino não impeça o estrutural, que as polémicas não apaguem a vontade reformista, que os percalços não fechem o caminho.
Correu manifestamente mal o processo. Falhou a nomeação de Hélder Rosalino, um profissional competente e com perfil, para o cargo de Secretário-Geral do Governo. Mas será útil recuar uns passos, além das habituais guerrilhas e recriminações, e tentar refletir sobre alguns pontos determinantes para a qualidade das instituições e para o desenvolvimento sustentável do país.
É que precisamos mesmo de começar a resolver – com visão de futuro, com vontade política, com consistência, com critério, com transparência – duas questões incontornáveis para uma sociedade mais atrativa: o fomento de um serviço público moderno e a capacidade de atração recorrente e não apenas pontual de quadros qualificados para o Estado.
Sem avanços nestas matérias que sejam sistemáticos, bem assumidos, permanentes, continuaremos a marcar passo, sujeitos a pequenas melhorias aqui e acolá, facilmente reversíveis, continuaremos dependentes do empenho de alguns, poucos voluntariosos, mas maioritariamente limitados pela inércia defensiva, pela supremacia do status-quo cinzento, pela cultura do mediano.
A famosa reforma do Estado, a modernização da máquina administrativa, a introdução de mecanismos de exigência e incentivo à produtividade, a racionalização das estruturas e a redução do desperdício, o fortalecimento das funções de planeamento, a inovação tecnológica e a utilização de dados no serviço ao cidadão, a desburocratização dos processos, o reforço da transparência e o combate à corrupção, tudo isto são objetivos perfeitamente alcançáveis.
Muitos países e cidades pelo mundo fora têm alcançado enormes ganhos nestas áreas nas últimas décadas, com políticas diferenciadoras e através de lideranças fortes e orientadas para a mudança. Muita capacidade de gestão temos em Portugal, muito boas práticas existem para aplicar, muito pensamento tem sido desenvolvido por empresas, associações, think-tanks, pela academia e inclusive por organismos públicos, pois o conhecimento também aí reside. O que tem faltado não são os diagnósticos, nem os bons exemplos a seguir. O que tem faltado são programas estruturados, ambiciosos, perseverantes, bem comunicados, a partir da liderança do Estado e das instituições públicas, iniciativas de grande alcance, com energia, racionalidade positiva, atitude construtiva, por forma a mobilizar funcionários e organismos para novos patamares de qualidade e prestações eficazes às populações.
O tema da capacitação dos recursos humanos e dos quadros dirigentes, tanto a nível central como municipal, também merece uma nova atitude. Tal como acontece nos países mais avançados e com histórico de grande serviço público, onde as carreiras no Estado são altamente prestigiantes e dignificadas, desde França ao Reino Unido, desde os países nórdicos a Singapura, há que criar as condições permanentes, bem tipificadas, assumidas sem complexos, e de preferência consensualizadas entre os partidos políticos com vocação de governo, para que a máquina pública não seja o parente pobre do universo do talento.
Em alguns destes países, por exemplo, os quadros dirigentes do setor público têm uma remuneração que corresponde a uma percentagem pré-estabelecida das práticas de referência no privado. Mas a questão dos salários, sendo obviamente decisiva, não é o único fator a ponderar. Temos de fazer evoluir as políticas basistas, temos de apostar recorrentemente na formação e valorização dos funcionários públicos e autárquicos, temos de fomentar ambientes de inovação e orientação crescente para as reais necessidades do cidadão-utilizador, temos de jogar com a flexibilidade das novas tecnologias e dos novos hábitos das famílias, temos de mobilizar os trabalhadores para o desempenho, reconhecendo e remunerando o mérito. Temos de o fazer sempre, todos os dias, em todas as situações, em todas as estruturas, e temos de o conseguir através de políticas bem pensadas, com regras gerais e aplicadas a grupos significativos de profissionais, e não através de situações individuais. Qualificar, atrair talento e desenvolver novas competências será o requisito fundamental para esse grande desafio da melhoria dos serviços ao cidadão.
É importante que o episódico não impeça o estrutural, que as polémicas não apaguem a vontade reformista, que os percalços não fechem o caminho. O país precisa e o cidadão agradece.
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