O que não sabemos das empresas públicas
A comissão de inquérito à TAP faz-nos temer o pior sobre o que se passa no setor empresarial do Estado e a justificar outro escrutínio das empresas do universo do Estado.
O país assiste, chocado, às revelações da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a gestão da TAP, e mesmo para os que estão mais atentos à realidade do setor empresarial controlado pelo Estado, a forma como o Governo gere uma companhia pública ultrapassa tudo o que se poderia imaginar. Tendo em conta o nível de escrutínio a que a TAP está sujeita, a revelação destes casos só pode suscitar a maior desconfiança sobre o que se passa noutras empresas públicas que estão fora do radar mediático. É por isso que este caso TAP deveria ser aproveitado para uma avaliação profunda, e transparente, do que é a gestão das empresas do Estado.
O deputado Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal, lançou o mote: “Certamente [as outras empresas públicas] estarão a ser geridas de igual forma ou pior”. E sugeriu que os deputados usem todos os mecanismos à sua disposição para um escrutínio mais apertado das empresas públicas, para descobrir outras TAPs. Quem é que não desconfia da existência de nepotismo, de promiscuidade entre o partido, o Estado e a empresa na gestão do setor empresarial do Estado, de ingerências que violam os princípios básicos se boas práticas de governação? Se a comissão de inquérito à TAP serviu já para alguma coisa foi mesmo para acender os alertas vermelhos sobre uma realidade que está escondida.
Será que este quadro de má gestão é exclusiva do setor empresarial público e no setor privado existe um quadro de virtudes? Obviamente que não, mas há uma enorme diferença que justifica o apoio à proposta do deputado liberal: Nas empresas públicas, quem paga é o contribuinte, nas privadas são os respetivos acionistas. E quando há empresas privadas a receberem apoios públicos — veja-se o caso da Efacec –, devem justificar exatamente o mesmo escrutínio. Aliás, talvez fosse bom algum partido propor uma comissão de inquérito à Efacec e à gestão sob o controlo do Estado, porque a exposição dos contribuintes à empresa já passa de forma larga dos 200 milhões de euros (a CPI à TAP resultou de uma indemnização de 500 mil euros…)
Qual é a realidade do setor empresarial do Estado? Há um relatório do Conselho das Finanças Públicas que deveria, no mínimo, ser um sinal de que é preciso fazer muito mais para aumentar o escrutínio das empresas públicas.
- No final de 2021, o sector público empresarial português era composto por 348 entidades, das quais 148 pertenciam ao sector empresarial do Estado (SEE), 42 ao sector empresarial regional e 158 ao sector empresarial local. Em termos de atividade económica, a maioria das entidades pertencia aos sectores da gestão das águas (19% destas entidades), da saúde (14%), dos transportes e armazenagem (11%) e das atividades artísticas, espetáculos, desportivas e recreativas (10%).
- Dos 148 relatórios e contas das empresas com obrigações de reporte de informação relativos ao universo do SEE identificado para 2021, apenas 79 tinham sido aprovados pela tutela.
- Os resultados económicos das empresas não financeiras do SEE continuam a evidenciar um significativo desequilíbrio económico apresentando um EBITDA negativo em mil M€ e um resultado líquido negativo de 3,1 mil M€ em 2021. Face a 2020 este desempenho refletiu uma melhoria daqueles indicadores respetivamente em 290 M€ e 708 M€, insuficiente, contudo, para corrigir o desequilíbrio económico do sector.
Este quadro é, no mínimo, assustador e justifica que se saiba muito mais do que está a ser feito nas empresas do setor empresarial do Estado. Quem tutela, de que forma tutela, quem são os gestores, que opções estão a ser feitas, como são geridas, como funciona a independência dos gestores face aos ministros, como é feita a supervisão dos administradores não executivos sobre os executivos.
Face ao que se sabe hoje, o Parlamento deveria criar uma comissão permanente de acompanhamento das empresas públicas, que permitisse esse escrutínio político permanente e seria um exercício de transparência que comprometia as tutelas políticas e os próprios conselhos de administração.
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