O tiro de partida da Web Summit acertou no Facebook
Frances Haugen, a mulher que tramou o Facebook, veio a Lisboa para nos avisar que a rede social promove o ódio e a discórdia. Web Summit acertou em cheio na empresa de Zuckerberg.
Está oficialmente aberta a edição deste ano da Web Summit. Até quinta-feira, são esperadas 40 mil pessoas no Parque das Nações para a maior feira de tecnologia do país e uma das maiores da Europa. Agora, de volta ao formato presencial, depois das restrições da Covid-19.
A noite inaugural desta segunda-feira serviu para dar o tiro de partida da conferência — não para cima e em seco, como é habitual, mas apontado diretamente ao Facebook. A Altice Arena foi o palco escolhido para a primeira aparição de Frances Haugen num evento, a corajosa mulher que tramou o Facebook.
Haugen tem sido presença assídua na imprensa internacional, depois de ter exposto milhares de documentos internos da empresa aos jornalistas, à “CMVM” dos EUA e ao Congresso norte-americano. Graças a ela, existem agora provas que sustentam o que muitos já suspeitavam: Mark Zuckerberg, o homem que controla o Facebook, dá prioridade aos lucros mesmo quando há vidas humanas em jogo.
No palco principal da conferência, vimos Haugen de Apple Watch no pulso, visivelmente incomodada por ser o centro das atenções. Então, porque quis deixar o anonimato? “Para ter o impacto que desejava, sabia que tinha de emergir”, disse.
Entrevistada pela jornalista Laurie Segall, acabou por defender que o Facebook “seria mais forte” sem Mark Zuckerberg aos comandos, função que deveria ser desempenhada “por uma pessoa focada em segurança”. Era avisado que Zuckerberg prestasse atenção aos aplausos da multidão.
Assumidamente uma pessoa “de fé” — a mãe é sacerdote da igreja anglicana –, Haugen disse “esperar que o Facebook” mude para melhor. “Eu não odeio o Facebook. Eu quero salvá-lo”, lê-se na última mensagem que publicou na rede interna da empresa.
O trabalho de Haugen, patrocinado pelo apoio da Whistleblower Aid, tem dado muitas dores de cabeça ao Facebook de Zuckerberg. E veio alimentar a vontade internacional de se desenhar regulamentação apertada para as redes sociais.
Há também quem defenda uma solução mais radical: “partir a empresa” por via da regulação, separando o Facebook, o Instagram e o WhatsApp. (Zuckerberg tem tentado prevenir esse desfecho. Na semana passada, anunciou que a holding vai passar a chamar-se Meta, consolidando ainda mais os diferentes ativos do grupo.)
“O que devemos reter de tudo isto?”, questionou a jornalista. Em resposta, Haugen destacou o facto de o feed de notícias do Facebook ter sido desenhado para promover o conteúdo mais extremado e causador de polarização (a verdadeira fórmula mágica das receitas da empresa).
E quais as consequências? A rede social torna-se campo fértil para o ódio e a discriminação, promovendo a violência racial na Etiópia ou desempenhando um papel determinante no genocídio em Myanmar.
A whistleblower denunciou ainda o que diz serem falácias na linha de argumentação do Facebook: a ideia enganadora de que temos de escolher entre censura e liberdade de expressão (ou transparência e privacidade). Para Haugen, existem formas de garantir os dois.
Na mesma noite, no mesmo palco, discursaram o ministro Pedro Siza Vieira e o recém-eleito presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, onde teceram odes a Portugal como um sítio para se investir. Mas não é todos os dias que o país surge no mapa das notícias internacionais, ainda mais por bons motivos.
Só por isso, a Web Summit 2021 já valeu a pena.
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