O Verão do nosso contentamento

Não é altura de ter preconceitos ideológicos. 2021 será um ano muito complicado. A época de Verão pode ser uma boia de salvação se o governo tiver juízo suficiente para não a furar antes do tempo.

No momento em que escrevo isto, chove torrencialmente e fala-se na televisão das restrições que se esperam no Natal. É por isso a melhor altura para falar no próximo Verão e, para contrastar com o ambiente geral, com um tom optimista.

O próximo Verão pode ser memorável para o turismo português. Com o natural abrandar da pandemia que se espera nessa altura, com os nossos principais mercados emissores já avançados na imunização (principalmente o Reino Unido), e com uma tremenda vontade de muitos em fazer as férias adiadas por demasiado tempo, poderá vir a ser uma época formidável para o turismo português. Com ou sem TAP, não faltarão companhias aéreas a querer voar para o nosso país (como nunca faltaram desde que houvesse procura). Claro que para um turista vir não basta haver vôos. Eles precisam de ter onde ficar.

Qualquer turista de cidade tem uma clara preferência: ficar perto das zonas turísticas do centro da cidade. Há motivos óbvios para essa preferência. Turistas que fazem viagens curtas de alguns dias não querem passar horas perdidos em transportes públicos ou gastar fortunas em táxis. Querem sair do alojamento e ir directamente aos principais locais de atracção sem perder demasiado tempo. Quem quer fazer uma visita de alguns dias ao Porto não quer ficar em Arcozelo (apesar de ser uma bela terra que alberga colunistas muito perspicazes). Quem quer fazer uma visita de alguns dias a Lisboa, dificilmente quererá ficar no Montijo (apesar de albergar o fantástico Olímpico do Montijo). Quem faz turismo de cidade, quer ficar nas cidades. Pela importância do turismo de cidade, é importante que as cidades capazes de o atrair tenham oferta de alojamento turístico para receber os turistas. Só com essa oferta, as cidades e o país beneficiarão da procura turística que no próximo ano poderá ser a boia de salvação de uma economia ainda em recuperação fraca e de um sector da restauração devastado pelas restrições durante a pandemia.

É impossível desligar o boom do turismo em Portugal até 2019 do boom do alojamento local. O alojamento local trouxe uma oferta que não existia e sem a qual muitas centenas de milhares de turistas nunca teriam vindo. Uma oferta que agrada a turistas porque lhes oferece alternativas de alojamento próximas das atracções, mas sem os preços dos hotéis. Foi também uma forma de democratizar as receitas do turismo. Por um lado, mais pessoas passaram a poder beneficiar das receitas de alojamento (e não só as cadeias hoteleiras). Bastava comprar um apartamento para beneficiar do turismo quando antes apenas milionários capazes de abrir hotéis podiam beneficiar disso. Por outro lado, ao termos uma maior proporção de turistas em alojamentos que na sua maioria não oferecem alimentação, permitiu-se que mais pequenos negócios de restauração também beneficiassem do crescimento do turismo.

Estes não têm sido tempos fáceis para quem investiu em alojamento local, mas a espera pode vir a render no próximo Verão. Há dias José Soeiro do Bloco de Esquerda voltou a atacar o alojamento local e os seus empresários. O texto mistura a necessidade de limites ao alojamento local com o problema da falta de habitação em Portugal e mesmo o problema dos sem abrigo (!?). Obviamente nada disto faz sentido.

O alojamento local só tem um efeito relevante no mercado da habitação nas cidades Lisboa e Porto. No entanto, há mais de 9 milhões de pessoas que não têm residência em Lisboa ou Porto e não consta que sejam todas sem abrigo. Ligar de alguma forma a normal escassez de alojamento em Lisboa e Porto aos problemas de habitação do país é a típica visão elitista de que só existe vida dentro das grandes cidades e que por isso há um qualquer direito consagrado a ter habitação dentro das grandes cidades, direito esse que o estado tem que garantir de alguma forma. Mas esse será sempre um direito apenas para alguns, porque por muitos programas que façam, por muitos apartamentos subsidiados para os insiders do sistema, mais de 90% da população continuará a viver fora de Lisboa e Porto. Estamos, portanto, a querer impedir a recuperação da restauração, dos pequenos lojistas, dos pequenos proprietários, apenas porque alguém acha que em vez de 93% da população portuguesa a viver fora de Lisboa e Porto devemos ter apenas 92%.

Num momento em que centenas de milhares de pessoas vêem os seus postos de trabalho em risco e contam os dias até ao próximo Verão para perceberem se podem salvar os seus restaurantes, cafés e lojas, pensar de alguma forma em limitar a oferta turística é absolutamente irresponsável.

O país precisa que os donos de alojamento local sejam capazes de aguentar o barco, manter a oferta, para quando vier a avalanche de Verão (se tudo correr bem) não seja por falta de oferta de alojamento que os restaurantes, lojas, cafés e bares não estejam cheios de clientes.

Mais do que a TAP, cujos vôos para principais destinos seriam facilmente substituídos por outras companhias, precisamos que a oferta de alojamento não caia. Aliás, meter quatro mil milhões de dinheiro dos contribuintes para salvar a TAP com a desculpa do turismo enquanto se tenta reduzir à força a oferta de alojamento turístico (que tudo o que precisa para recuperar é que as regras não mudem para pior) é incoerente e contraprodutivo.

Não é altura de ter preconceitos ideológicos. 2021 será um ano muito complicado. A época de Verão pode ser uma boia de salvação se o governo tiver juízo suficiente para não a furar antes do tempo.

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