Está bonita a Europa, está…
Palavra dada, palavra honrada, dizia António Costa e eu continuo a dizer – prometi falar do que se passa na Europa e vamos a isso.
A reunião do Conselho Europeu (de onde o nosso Primeiro-Ministro veio enjoado) foi um rotundo fracasso. No entanto, no esperanto atual a que chamo “europês” isso tentou traduzir-se assim: correu muito bem, todos ficaram contentes e a “crise das migrações” vai ser resolvida, até porque ela cada vez mais é coisa do passado.
Não há crise de refugiados
É claro que eu não estava na sala e não bebo do fino. Mas isso ajuda-me a não ser enganado, iludido ou ter interesse em falar em europês. Mas o Ministro do Interior Alemão, do CSU bávaro, não foi na cantiga e temos a crise alemã que há meses disse que era a mais perigosa para a Europa.
Não estava na sala, não bebo do fino, mas sei do que falo. Com esta minha tendência de tratar das coisas antes de ser moda, em 2007 (numa série de artigos que publiquei no “Público”) assumi a tragédia que nos chegaria do Norte de África e defendi que a única solução era lançar urgentemente um Plano Marshall que criasse e fixasse emprego ali para evitar o que veio a ocorrer. É que, como então expliquei, desde a Antiguidade Clássica que o Mediterrâneo é um lago que unia os povos das margens e não uma barreira entre eles.
Também me lembro de ter lido por essa altura que o Egito e a Turquia teriam até 2050, um excesso de 50 milhões de jovens sem emprego e a Europa uma falta de 50 milhões. Moral da história? Ou as empresas iam para lá ou eles vinham para cá.
O que escrevi caiu em saco roto (apesar do Ministro dos Negócios Estrangeiros me ter pedido para ir falar com ele sobre o tema), como vindo de mim seguramente merecia. Depois? Pois, a seguir veio a crise financeira e europeia, a Primavera Árabe, a guerra na Síria, a mundialização das comunicações. E a confirmação do que previra.
Sou um génio? Não, limito-me a ler livros de História e a usar a cabeça com independência. Como já disse tantas vezes, não vivemos uma crise de refugiados. Embora melhor seria que vivêssemos. O que vivemos é um processo tendencialmente contínuo que não é de hoje e não termina amanhã. Uma crise resolve-se, um processo contínuo antecipa-se ou sofre-se para sempre os seus efeitos.
A Europa não antecipou, não preparou, não agiu. Por isso é uma vergonha o que lemos a ser dito pelos políticos europeus, no seu europês. Eles sabem que estão a tentar (e nem isso conseguem…) tratar com aspirinas o que – perdoem a linguagem que não pretende insultar – é uma septicémia.
Porquê? A razão é simples: a União Europeia com 7% da população mundial (e 29.000 euros de PIB per capita) é, apesar de tudo, um oásis e tem ainda políticas sociais altamente favoráveis para os mais desfavorecidos. 36 países africanos têm PIB per capita de 800 a 4.600 euros.
Ao longo da História os povos sempre tentaram migrar para onde possam ter um futuro melhor. Querem exemplos? Os EUA tinha 2,7 milhões de habitantes em 1780 e 230 anos depois têm 308 milhões; o Brasil tinha na altura da independência cerca de 4 milhões e agora são 207 milhões.
Alguns dirão que foi assim por todo o lado. Pois, mas em 1800 a Europa como continente teria cerca de 190 milhões e agora tem cerca de 740 milhões. Nos EUA aumentou mais de 100 vezes, no Brasil cerca de 50 vezes e na Europa… menos de 4 vezes.
Ou seja, faça-se o que se fizer, as migrações em busca de uma vida melhor vão continuar nas próximas décadas.
Mas em todo o caso a crise não vai ser resolvida
Mas falemos então do que chamam a crise dos refugiados. A Europa fala a várias vozes, mas todos pensam afinal o mesmo. Não querem refugiados, ponto final.
E, calados ou falando em europês, parecem elites desfasadas a viver em castelos protegidos, com as classes médias e baixas não privilegiadas a reagirem ao que sentem que é um processo contínuo e não uma crise… e a votar nos que em vez de panaceias, lhes prometem a solução simples e simplista de fechar as fronteiras.
Por isso, o Ministro do Interior Salvini talvez possa — não mudem já de canal… — ter salvado a Europa. Discordo do que defende e da forma brutal como o faz. Mas, antes dele, a realidade era simples e levava ao suicídio lentamente.
Todos os governos europeus teciam loas aos valores europeus, ao dever de proteger e integrar todos os danados da terra, mas ao mesmo tempo quase todos tudo faziam para que não chegassem aos seus países.
Como dizem os anglo-saxónicos, “not in my backyard” (“no meu quintal, não”). Ou um exemplo concreto: Edward Kennedy era um defensor acrisolado dos valores ambientais. Quando soube que iam ser colocadas eólicas no mar à frente da sua casa de praia, mexeu este mundo e o outro para que isso não acontecesse.
Quando Salvini disse que não recebia mais refugiados e sugeriu que fossem para os portos de outros países europeus (incluindo aqueles de onde vêm os navios que os vão desembarcar em Itália por razões humanitárias), obrigou a Europa a enfrentar o problema. E agora vai ter de agir, em vez de adiar.
Vamos a factos: em 2017 cerca de 150.000 refugiados chegaram pelo Mediterrâneo e cerca de 75% deles por Itália, ou seja 120.000. Imaginemos que aos portos e praias do Algarve chegava esse número nos quatro meses de Verão? Teríamos aguentado tantos anos para que um Salvini chegasse ao Governo?
Já sei a resposta: em 2015 vieram do Sul mais de 1 milhão e, por isso, a crise está a acabar. A Europa precisa de emigrantes. Temos de ser fiéis aos nossos valores.
Nada contra, mas o problema é que as realidades da sociologia são mais fortes do que os sonhos da ideologia. Seja ou não horrível, há um limiar (“seuil de tolerance”, já dizia Mitterrand) que as sociedades têm quanto a integração dos que consideram estranhos, os “Outros”. E a prova que esse limiar está ultrapassado são as reações eleitorais.
Que fazer?
Que fazer, diria Lenine e pergunto eu? Não faço ideia.
Tudo o que foi decidido se baseia na tese de criar campos de retenção nos países do Norte de Africa e na aceitação voluntária de campos idênticos em países europeus.
O objetivos desses campos é separar os refugiados que ficam na Europa dos emigrantes económicos que serão devolvidos não se sabe a quem. Mas no Norte de África não querem campos e na Europa até António Costa já disse que Portugal se não candidata e ninguém disse o contrário, incluindo os alemães.
E ninguém sabe como conter as mafias, de que até Merkel fala, de continuar a mandar barcos para o Mediterrâneo, sabendo que uma dose de mortos, sobretudo se forem crianças, é bom para o negócio deles.
Mas se isto falhar, falha o sistema.
Claro que pode ser que isto seja apenas uma episódica crise de refugiados, e que o fluxo diminua. Mas se não for e isto falhar, falha o sistema.
Tudo se baseia também em que deste modo, e tudo correndo bem, os partidos populistas serão menos atraentes. Pois é. E se tudo correr mal? Por exemplo, em França a maioria é favorável a apoiar os refugiados … e 60% a que não se deixem entrar muitos mais em França …
Pessimista, eu? Adivinharam. Mas tenho uma visão histórica das coisas e a admissão que virá a ser inevitável que o afluxo não diminua, vai obrigar a encontrar verdadeiras soluções. Essa a esperança. Mas entretanto…
O PPD abandona o PSD
Bom, entretanto Pedro Santana lançou uma bomba: vai sair do PSD e pondera criar um partido. Haverá quem diga que a pólvora está molhada ou que é um tiro de pólvora seca.
Será. Mas eu há muitos anos dizia que em Portugal só havia dois possíveis líderes de um partido populista e sem complexos à direita: Alberto João Jardim e Santana Lopes. Resta um.
Vai ganhar eleições? Não acredito, desde logo porque ele vem de dentro do sistema e não de fora dele e já não tem a energia dos 40 (que, como dizia Paco Bandeira da ternura, “não tem conta nem medida”).
Vai ter a vontade e a resistência para o esforço? Se calhar, não. Dizem os entendidos nestas coisas que Santana Lopes é um bicho solitário e preguiçoso. Se isso for verdade, desiste perante as primeiras dificuldades.
Mas se for em frente pode complicar o jogo político? Pode. Quaisquer 10% (para os quais vá buscar alguns abstencionistas) cravam mais uma data de pregos no caixão de Rio, limitam Cristas e podem facilitar a maioria absoluta a António Costa.
Deus protegeu a Santa Casa
E é verdade, já me esquecia, a Santa Casa da Misericórdia não vai investir 30 milhões no capital do Montepio, mas 75 mil euros. Ou seja 0,25% do que previra há 3 meses (menos 99,75%…). E se nos lembrarmos que se chegou a falar de 200 milhões de euros…
Em finais de 2016, e durante muitos meses sozinho, estigmatizei o que na altura chamei fazer da Santa Casa um “Robin dos Bosques” ao contrário, ou seja, tirar aos pobres para dar aos ricos. O bom senso prevaleceu. Um dos cantinhos das tontices acabou bem…
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