Nunca deixes que as boas práticas atrapalhem uma eleição
Há uma prática entranhada na política que é das mais perversas, transversais e descredibilizantes: todos concordam com várias medidas e práticas mas só até as começarem a praticar dentro de casa.
Há uns dias, o jornal i noticiou que a direcção nacional do PSD pôs em tribunal candidatos do partido às autárquicas que excederam custos de campanha sem autorização do partido. A liderança nacional do partido fala numa “medida pedagógica e exemplar” para que futuramente haja maior rigor nas contas.
Uns dias antes, o secretário-geral do PSD, José Silvano, tinha revelado no Facebook que o partido ainda tinha dívidas de há 10 anos para pagar a fornecedores da Festa do Pontal. Respondia assim às críticas pelo corte de 80 mil euros para 20 mil euros do orçamento da edição deste ano dessa festa do PSD, feito já por esta direcção nacional.
Ninguém, dotado de um pouco de senso e de responsabilidade e no seu perfeito juízo, defenderá que um partido pode ser um regabofe financeiro – como muitos são, na prática. E muito menos é sério ou defensável que uma entidade que ser quer respeitada e que, de tempos a tempos, tem a responsabilidade de governar o país possa ficar uma década a dever a fornecedores.
Mas, em ambos os casos, caiu o Carmo e a Trindade sobre os responsáveis do partido. Porque estavam a dar “tiros no pé”, mostravam mais preocupação em combater dentro do partido do que em fazer oposição ao Governo e à esquerda ou porque não se tratam destes assuntos na praça pública, fui lendo e ouvindo um pouco de tudo de elementos do PSD contra estas medidas.
Pego nestes dois exemplos, que não surpreendem, porque eles são ilustrativos de uma prática entranhada na política há muito e que é das mais perversas, transversais e descredibilizantes: todos concordam com uma série de medidas mas só até ao momento de começar a praticá-las. Na teoria, todos de acordo. Na prática, todos feitos desentendidos a assobiar para o lado.
Certamente que Rui Rio pode e deve ser criticado por muito que faz e diz e por outro tanto que não faz e não diz. E, aliás, é isso que se vai ouvindo quase diariamente.
Mas mal vamos quando as “bases”, estruturas e notáveis partidários reagem criticamente a medidas e práticas de responsabilidade financeira que deviam ser uma regra inquestionável e não a excepção.
O problema de Rio e do seu prometido “banho de ética” não está quando começa a esboçar alguns passos no sentido certo e a fazê-lo com uma coragem que é rara nas tortuosas estruturas partidárias.
Nestas matérias, o problema está em ter colocado a seu lado figuras como Salvador Malheiro, mestres do caciquismo e da suspeita angariação de votos que o fizeram eleger. São estas práticas, que configuram fraudes eleitorais, que estão erradas e não a colocação das finanças partidárias em ordem.
Estranho é que estas coisas tenham que ser explicadas e escritas como se estivéssemos perante crianças de três ou quatro anos que ainda não distinguem com clareza o bem do mal.
Mas isso também nos diz muito sobre uma certa amoralidade que atravessa a prática política e sobre as “máquinas eleitorais” que são os partidos: as boas práticas não podem atrapalhar as tentativas de obter bons resultados e, em caso de conflito, são aquelas o elo mais fraco.
Com o combate à corrupção passa-se algo parecido. É uma bandeira partilhada por todos e nunca faltaram propostas legislativas que mostravam muita preocupação com o tema. Até que Joana Marques Vidal passou das palavras bonitas dos discursos à prática – na política, banca, empresas, futebol, magistratura. E hoje é ver como se assiste a um desconforto muito grande de algumas pessoas com a possibilidade de renovação do mandato da Procuradora-Geral da República. Combate à corrupção? Obviamente, é uma questão de princípio. Mas na prática? Bom, também não precisamos de levar tudo tão à letra.
E podemos continuar, em tiques em que a comunicação social também é elemento activo deste tipo de contradições. Tão depressa se acusa um governante de eleitoralismo numa medida como logo a seguir se acusa o mesmo governante de estar a comprometer a popularidade junto de uma fatia do eleitorado se não cede às pretensões de uma qualquer corporação.
O Governo tem estado firme no conflito que mantém com os professores, não cedendo aos interesses particulares da classe que são lesivos do interesse geral dos contribuintes. Se mantiver essa posição, não faltarão análises e comentários críticos por estar a comprometer a performance eleitoral junto de uma corporação poderosa.
Há falta de determinação para fazer o que deve ser feito, dentro e fora dos partidos, e não apenas aquilo que rende mais votos. É uma cultura difícil de levar para dentro dos partidos e das claques partidárias, viciadas que estão no puro calculismo eleitoral. Mas não haverá melhor clima do que este para abrir a porta ao populismo.
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