Orçamento Sexy

O orçamento é um gesto político que deve resolver sem ilusões as incidências da vida da nação. Se não tiver esta ambição, não será nada.

O orçamento tem de representar as opções políticas da AD. O orçamento tem de representar as opções ideológicas do PS. Quando PS e PSD se encontram em empate técnico no parlamento, o orçamento tem de ser uma coligação informal de dois partidos que não se entendem?

Em Portugal vive-se a aberração política do PS exigir que o orçamento tem de incorporar os 28% do seu score eleitoral que representam uma derrota. Em Portugal vive-se a aberração política do Governo exigir que o orçamento tem de incorporar os 28% do seu score eleitoral como se fosse uma maioria absoluta. Nenhuma das posições políticas revela inteligência ou sentido político em prol do progresso do país. O que a intransigência política revela é o calculismo do curto prazo e a política transformada num jogo de sombras e de ameaças. A sombra da instabilidade e a ameaça das eleições.

Para completar o cenário, o Presidente que adora cenários, resolve agir na política nacional como o “facilitador” entre estas duas posições extremas. A facilitação consta de um processo de negociação entre as duas partes, como se o orçamento fosse o armistício na política nacional para proporcionar um fim de mandato sem sobressaltos em Belém. Negoceia-se o que normalmente não tem negociação em Portugal. E pela simples razão de que qualquer negociação tem uma dimensão política que não se resume a uma mera questão técnica. O PS quer prolongar a influência de uma governação que perdeu nas eleições. O Governo que afirmar o predomínio de uma governação que não ganhou nas eleições. As negociações sobre o orçamento são a cenografia política de dois partidos políticos que perderam nas urnas e querem agora vencer no expediente político.

O Governo afirma que a “espinha dorsal” do orçamento não é objecto de negociação. O PS exige que a “espinha dorsal” do orçamento seja na realidade objecto de negociação. Novamente é o critério dos 28% que serve de fundamento para esta peculiar posição. Os 28% que perderam exigem uma espinha dorsal mais social. Os 28% que ganharam exigem uma espinha dorsal mais liberal.

Não é sério nem politicamente apropriado ter dois governos, duas espinhas dorsais, dois orçamentos. O orçamento é assim um objecto politicamente desconhecido entre uma virtude e uma vantagem, tendo as características da virtude e os privilégios da vantagem. Neste interregno absurdo não existe Deus nem Estado nem Revolução, apenas o último recurso da indignação. A indignação que nos diz que esta não é a solução mais inteligente. A mesma indignação que é incapaz de identificar qual o procedimento mais apropriado ao progresso da nação. Entretanto o país é uma realidade política líquida como a incursão do Black Bloc nas ruas da cidade dispersando-se em todas as direcções em nome de todas as causas. As negociações sobre o orçamento são uma conversa no deserto.

Vamos ser heterodoxos. Com as negociações pretende-se uma espécie de engenharia social identitária e a consagração de uma política de género. Qual é afinal o sexo do orçamento? O orçamento pode ser politicamente binário, tecnicamente intersexo, teoricamente trans. Se alguém aplicar as categorias tradicionais do género à construção social do orçamento qual será a resposta do PS? Qual será a proposta do Governo? Se tudo for social o orçamento será a afirmação de uma espécie de ideologia de género. Se tudo for biológico o orçamento será a concretização da ciência financeira. A ideologia de género e a ciência das finanças não são compatíveis no universo político. Será o orçamento a banalidade de uma bandeira monocolor? Será o orçamento a exuberância de uma bandeira LGBT?

Portugal enfrenta um mundo em transição. Existem instituições, ideias, práticas e pensamentos políticos que ainda não encontram correspondência na realidade. Este futuro em aberto implica imprevisibilidade, aponta para um certo horizonte de esperança e estabelece os contornos difusos de um mundo sem esperança. O orçamento não é um jogo fútil ao serviço dos interesses de um partido ou confissão ideológica. O orçamento tem de ser a expressão e a determinação de existir, de deixar uma marca política na vida da nação para além do embaraço de um défice ou da euforia de um excedente. As negociações sobre o orçamento não podem ser a prática de um “estruturalismo místico” numa história contada com dois deques de Tarot.

O orçamento não é um recado para o país passivo. O orçamento não é a “História do Mundo em 10 Capítulos e Meio”. O orçamento é um gesto político que deve resolver sem ilusões as incidências da vida da nação. Se não tiver esta ambição, não será nada.

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