País Parvo
Sugiro um subsídio atribuído a cada jovem obediente. Uma espécie de desconto no consumo máximo medido em Vodka Vax e Gin Sars. Quem vota a favor?
Não sei se é uma crónica real se o relato de um sonho, mas o País encontra-se política e pandemicamente perdido por estas paragens. Um Presidente da República que sendo constitucionalista faz malabarismos com a Constituição. Um Primeiro-Ministro triunfal e peronista sobre as maravilhas da sua governação. Os portugueses param no corredor do supermercado e observam com indiferença os écrans leds onde estas personagens surgem como uma aparição numa série ultra fantástica assinada pela Marvel – Capitão Costa contra Marcelo Maravilha. O argumento é o de sempre e os cidadãos fartos de cenas tristes aglomeram-se junto às cores iluminadas de uma promoção ao filme das Doce.
Enquanto o Presidente e o Primeiro-Ministro fazem semana-inglesa e viajam para Angola para a Cimeira da CPLP, os nossos cidadãos preparam-se para não fazer nada, ou seja, apanhar sol no seminário da cerveja. No entanto, se olharem ao redor os sintomas surreais voam como traças numa gaveta ao ar livre.
Os portugueses não conseguem fazer testes nas farmácias, mas são obrigados a fazer os mesmos testes à entrada dos restaurantes. Bem se podia almoçar na farmácia e testar no restaurante, o absurdo seria assim bem mais normal. Primeiro, o teste covid com guarnição de sangue ou de saliva para rastreio da pandemia servido pelo empregado de mesa entre pratos e talheres e o diploma médico emoldurado junto ao grelhador; depois, as sardinhas com salicórnia e maracujá ao balcão da farmácia bem junto ao expositor dos preservativos e em representação da gastronomia pós-moderna e nacional. Um encanto para os olhos e o coro apropriado para o discurso eufórico do Primeiro-Ministro que, negando que Portugal seja um País das Maravilhas, afirma que com o PS Portugal é mesmo um País das Maravilhas. A medicação tem por vezes estes efeitos secundários.
Um amigo informa-me que existe um mercado paralelo de testes à disposição do cidadão menos cumpridor. O próprio diz ter em sua posse um teste certificado que já viajou por metade da Europa, um teste cosmopolita que incorpora tecnologia inglesa, diligências de uma rede de tráfico e certificação com o selo da toda-poderosa Alemanha. Recusando mostrar-me o passaporte para a normalidade, garante que já passou belas noites no Bairro Alto e que não vai tomar a vacina. Afirma com estratosférica convicção que o Governo mente sobre a necessidade e eficácia da vacina, que em Portugal é como na Rússia, dizem que vão administrar uma vacina e injectam outra com tecnologia chinesa e chips de vigilância. Cada um saberá do que fala.
Quanto ao Presidente da República parece que já não tem aquela estamina inicial e primeira, aqui e ali surge mesmo com um ar de enfado, cansado e triste, tudo destemperado com a falta de abraços e flores numa santa aliança entre Belém e São Bento que faz hoje parte do passado. O Presidente comporta-se como o Comentador de Belém, fazendo juízos rápidos e absurdos sobre assuntos sérios e constitucionais. Sobre a inconstitucionalidade dos “apoios sociais”, perde no tabuleiro da Constituição e ganha no xadrez da política. Enquanto ganha quando perde, afirma que os portugueses já receberam os respectivos apoios e que estes não vão ter de ser devolvidos. Vitória. Estamos em pleno terreiro de uma feira ao ar livre na aldeia mais típica de Portugal bem junto à roda da sorte para o sorteio de um jogo completo de panelas inox. O País ainda vai poder comprovar que o inox é chapa perfurada em segunda mão. Mas se é grátis, os portugueses aceitam.
Agora surge também um grupo de “libertários da poltrona” que afirmam que a sociedade deve regressar à “normalidade”, pois morre mais gente todos os dias de patologias clássicas do que por infecções covid. Aliás, não sendo a raça humana divina e eterna, claro que morre gente todos os dias como tem sido sempre em todos os séculos. Mas façam a experiência biológica de dar liberdade ao covid para amar e se multiplicar em variantes e mutações e logo verão as manifestações de uma experiência social perigosa, irresponsável, delirante. A equivalência moral entre mortes não é um acto de inteligência, mas a manifestação de uma crença no Grande Arquitecto Universal e na auto-regulação da doença através dos mecanismos do mercado existencial. A Mão Invisível nem sempre vai na direcção do Progresso.
Com ou sem “dia da libertação” marcado para o 5 de Outubro, os jovens desdenham da vacina, fazem festas engarrafadas no jardim, desprezam a etiqueta respiratória, ignoram a distância social e celebram cada dia como se fosse o último. O Governo reconhece que sem jovens não há imunidade de grupo, logo surge a ideia de abrir as discotecas e os bares para delírio de todos os sentidos. Mas para entrarem os jovens têm de ter passaporte covid com vacina tomada e sopa comida até ao fim. Sugiro um subsídio atribuído a cada jovem obediente. Uma espécie de desconto no consumo máximo medido em Vodka Vax e Gin Sars. Quem vota a favor?
Imagino a resposta de Ghandi se lhe tivessem perguntado o que pensava sobre a civilização portuguesa – “Acho que seria uma boa ideia”.
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