Pensem. Livres
Fazer jornalismo é egoísta e altruísta, é aprender e ensinar, é procurar certezas num mar de dúvidas. É uma contradição e um imenso privilégio: o de o desafiar a pensar. Para que use a sua liberdade.
Estive nove meses fora dos jornais, que são aquilo que mais me apaixona na vida – a seguir a estar apaixonado. Fazer jornalismo é um imenso prazer. Ver de fora é uma imensa angústia, aquela angústia de ver o mundo a rodar sem nada poder fazer para o explicar.
Fazer jornalismo é procurar notícias. É dar-lhes contexto. É ensinar e aprender, a cada leitura que fazemos. É aprender com os outros, aqueles que discutem connosco numa redação, aqueles com quem falamos à procura de informação.
Sim. Ensinar e aprender.
Não, corrijo: primeiro é aprender. Fazer jornalismo é pormo-nos na posição do outro e perceber que nem tudo é a preto e branco. É pesar, ponderar. Tantas vezes moderar, alterar, aquilo que nós próprios pensamos – ou de confirmar aquilo que intuímos.
Só depois ensinar. Dar aos outros aquilo que entra em nós. Entregar o que aprendemos, de braços estendidos.
Mas fazer jornalismo é viver num dilema. Porque é preciso pôr em dúvida, questionar, apontar o dedo, acusar. Mas também lidar com a consciência de que nunca sabemos tudo.
É reconhecer que muitas vezes erramos. E, mesmo assim, sentir que é preciso prosseguir, conscientes de que a luta pela verdade tem tanto de utopia como de oxigénio.
O que lhe queria dizer hoje, como já percebeu, é que fazer jornalismo é um privilégio. Porque é uma vida que se preenche de todas estas contradições: é egoísta (porque nos alimentamos da informação) e altruísta (porque a sociedade não vive livremente sem ela); é a luta constante por uma verdade que sabemos tantas vezes inatingível; é o dilema constante entre saber a razão do outro, conscientes que ele, o outro, estará a fugir da verdade.
Era só isto que vos queria dizer hoje. Precisamente hoje, o último dia antes da minha reentrada numa redação, a do Expresso, nove meses depois de ter começado a dizer para mim próprio a mesma frase, todos os dias: “Um dia volto”.
Faz nove meses, quando saí do Público, que o António Costa me ligou a convidar-me para escrever aqui, no ECO. Alimentei-me a cada semana, a cada texto, desta dúvida: o que é podes acrescentar?
Questionei a esquerda, a direita, os políticos, os jornalistas. Critiquei muitas vezes, elogiei outras. Não olhei a cores nem partidos, pus em causa pressupostos e preconceitos (até os meus). Tentei dar leitura e leituras. Sobretudo tentei pôr-vos a pensar. Para que cada um de vocês, depois, usasse a sua liberdade.
Era isso, também, que vos queria dizer hoje: sejam livres. Leiam os outros, sobretudo aqueles que pensam. Mas pensem por vocês. Vêm aí tempos muito interessantes. Vêm aí tempos muito importantes.
Sejam livres. Mas mergulhem nos tempos que aí vêm. Ativos, perseverantes, críticos. Leitores e participantes. O jornalismo precisa de vocês. A democracia precisa de nós todos.
Eu vou estar ali ao lado. A dar sempre o meu melhor. Com um imenso amor à liberdade de ser isto: jornalista. No meio de toda esta imensa contradição que é a vida. A ver o mundo a rodar, sem pensar outra vez: “Um dia volto”. Que o mundo rode, então. Vai ser outra vez um prazer.
* P.S. Obrigado ao António e aos que me leram e receberam aqui. Foi mesmo um gosto a vossa companhia.
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